Diretor do Teatro da Vertigem conduz montagem da obra 'Orfeu e Eurídice'

Antônio Araújo afirma que sua segunda ópera 'é bastante econômica e tem cenas que são teatro puro'

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Por Maria Eugenia de Menezes
Atualização:

Antônio Araújo só dorme depois que amanhece. Nos últimos dias, tem passado as noites em claro. Corre contra o tempo para acertar as luzes, burilar efeitos, deixar tudo pronto para sua montagem de Orfeo ed Eurídice

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Com estreia marcada para este sábado, 27, a ópera carrega a assinatura do reconhecido diretor. Assim como costuma fazer à frente do Teatro da Vertigem, aqui, ele também deixa o conforto das salas de espetáculo convencionais para apoderar-se de um novo espaço. Mas, habituado a processos que duram dois anos, teve apenas três semanas. Sua encenação para a obra de Christoph W. Gluck (1714-1787) marca a inauguração da primeira etapa da Praça das Artes: complexo arquitetônico de salas de ensaio e sedes das escolas do Teatro Municipal. 

Essa é a sua segunda ópera. Como foi montar Dido e Enéas? E o que você trouxe dessa experiência anterior? 

Apesar de adorar ópera, até aquele momento nunca tinha trabalhado com cantores líricos. Havia, então, um receio grande. Mas tive a experiência oposta. Foi muito feliz, tanto o resultado quanto o trabalho com as cantoras, o maestro. O fato de já ter vivido isso em Dido e Enéas me traz, portanto, algum acúmulo de experiência para essa montagem. Ainda que eu continue a sofrer com o pouco tempo. No Vertigem, temos dois anos de processo. Aqui, foram três semanas. É muito pouco para fazer tudo isso. 

Especialmente porque vocês estão novamente ocupando um espaço não convencional. O que não é habitual para a ópera, mas é o que você costuma fazer no seu trabalho com o Vertigem. 

Ainda que exista uma tradição do grupo de fazer isso, ocupar um espaço não convencional sempre demanda mais tempo. Você precisa primeiro entender o espaço, criar uma conexão. É uma apropriação diferente. Tenho até brincado, dizendo que se eu aceitar novamente dirigir uma ópera em três semanas, podem me interditar. Passei essa noite em claro. Vou passar a próxima também. É muito angustiante. Por outro lado, tive novamente uma sorte incrível com as cantoras. Uma disposição e uma generosidade, que contrariam aquela imagem da cantora lírica como diva, cheia de vontades. Acho que todo mundo sai ganhando com esse tencionamento entre o teatro e a música. É um diálogo rico. 

Como é que você está utilizando esse espaço? Uma área ainda em construção. 

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Essa área que estou ocupando é minha terceira proposta. Primeiro, pensei em fazer uma ópera itinerante. O que não seria possível por conta da orquestra, que não pode se movimentar. Depois, apresentei um segundo projeto, mas que colidia com o cronograma da obra. Então, tive que pensar em outra encenação, na qual estamos ocupando a futura sala de ensaio da orquestra. É uma área grande, onde tentamos lidar com as limitações. 

Essa é uma ópera que, para o teatro, tem um sentido especial. O Gluck reinventa a tradição operística ao olhar para o drama, ao colocar a música a serviço da ação. Como foi para você, como diretor teatral, lidar com essa obra? 

Talvez, até por isso eu tenha sido chamado para fazer justamente essa obra. É uma ópera da qual gosto muito: é bastante econômica e tem cenas que são teatro puro. A cena do terceiro ato, em que Orfeu e Eurídice estão juntos, é um primor de dramaturgia. Trabalhei com as cantoras nesse sentido. Tentando entender todos os textos, pedindo para que elas falassem os diálogos, antes de cantar. Foi só depois que trouxe a música. 

É verdade que você alterou um pouco a ópera, aproximando-a do mito grego? 

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Estamos fazendo a obra na íntegra. Não cortamos nada, do início ao fim. O que me incomoda nessa ópera é o final dela. Porque, para mim, esse sempre foi um mito trágico. Aquela imagem do Orfeu despedaçado pelas bacantes, a sua cabeça boiando no rio e, ainda assim, chamando por Eurídice. Tudo isso é muito forte para mim. E aquele final feliz da ópera, com a redenção amorosa, os balés. Isso me soa um pouco estranho. 

Ainda que isso tivesse um sentido para o Gluck naquela época, naquele contexto. 

É possível, sim, entender o contexto. Mas isso não me faz gostar dessa opção. O que eu propus, então, foi não mudar nada na ópera e trabalhar apenas com a encenação. De certa maneira, relativizo esse final feliz. Há algumas encenações que mudam o libreto e a música. A Pina Bausch, por exemplo, cortou o final inteiro e termina na tragédia. Eu não fiz nada disso, mantenho a versão da ópera de Viena. Mas é claro que isso me gerou um problema. Trata-se de uma música super alegre. A intenção, então, é trazer, por meio da encenação, uma nota dissonante, irônica, dentro dessa alegria. Aqui, o Orfeu não morre despedaçado. Mas existe a ideia de uma morte simbólica. Como se Orfeu acreditasse em um final feliz, quando, na verdade, estava sendo manipulado. 

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Outro ponto que chama a atenção na sua versão é a sua visão do inferno, muito próxima da realidade. 

Essa ideia de um lugar de larvas e monstros não me diz muito. Quis pensar em um Orfeu que não desce ao inferno. Como se ele estivesse aqui, à nossa vista. Inferno é a cidade onde a gente mora, São Paulo. 

Orfeu e Eurídice é uma ópera que prevê uma série de balés. De que maneira isso aparece na montagem? 

Os balés foram mantidos. Para fazer as coreografias, convidei o Alejandro Ahmed, que foi coreógrafo do Cena 11. Até pela história dele, ele repensa esses balés, que são originalmente aqueles minuetos, e leva isso para outro lugar. É uma movimentação de outra natureza. 

Você também tira a orquestra do fosso e a coloca em cima do palco. Por quê?

O mito do Orfeu representa essa figura do artista, do cantor. Por isso coloquei os músicos em posição de destaque. Tudo acontece ao redor deles. A orquestra está em um lugar central. 

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