Diários de Canudos Parte 2 - A Subida do Monte Santo

Atores vão para Monte Santo já vestidos com os figurinos do espetáculo, andando pelas ruas e pelas feiras

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Por Pascoal da Conceição
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Se há uma causa que possa ser eleita como a principal para o fracasso, na significação integral da palavra, da campanha de Canudos, foi a ignorância. Ignorava-se tudo: terra, povo, cultura. Aliada com a prepotência e a manipulação, com o medo, conduziu-se tudo para o massacre que envergonhou, e ainda envergonha, a nação.   Aqui, quando dá 5 da manhã, o sol já vem nascendo quente e luminoso. Então, o melhor é fazer as coisas nesse horário mais fresquinho que vai das 5 da manhã até umas 9. Tapioca, aipim cozido, banana-da-terra, farofa de cuscuz, ovo cozido, pão do bem, queijo coalho, bolo de milho, batata-doce, mamão, suco de manga, melão, café e leite de vaca e de cabra, é o café da manhã.   Chama-se botar romeiro a providência que o povo do Nordeste toma para abrigar os viajantes. Você vem e as pessoas te hospedam em sua casa, servindo a gente como a um rei. Foi assim, me contaram, com o Mario Vargas Llosa quando ele veio aqui escrever A Guerra do Fim do Mundo.   Os atores vão para Monte Santo já vestidos com os figurinos do espetáculo, andando às vezes pelas ruas e pelas feiras. São soldados da República, rezadeiras, jagunços, mulher de cabra, menino de chifres de touro, beato de brim azul, ceguinho da feira tocando rabeca, tudo porque está sendo rodado um filme, misturando atores, a região e o povo do lugar, vai ser transmitido durante a apresentação da peça, entre imagens ao vivo e outras.   A cena que vamos fazer é a da subida do Monte Santo. Estão logo cedo, no meio da rua: apostos, disciplinados, sentados no meio-fio, esperando o ônibus, olhados com alegria pelo povo do lugar. As pessoas olham com expressões que misturam surpresa, alegria, curiosidade, uma sensualidade que, parece, estava quieta e acorda, despertados pela alegria da turma de atores.   Cumbe virou Euclides da Cunha, Bom Conselho virou Cícero Dantas e Piquaraçá virou Monte Santo. Um religioso encantado por aquelas montanhas, pois o lugar, no meio da caatinga, realmente é de uma beleza de cair o queixo, o frade, tendo o povo pleno de fé ao seu lado, fez um caminho de pedra de três quilômetros que sobe a montanha, com 25 capelinhas até a capela principal no alto da montanha. Quando a procissão que inaugurou o caminho, inspirado nos passos dados por Jesus até o calvário, estava próxima do topo do morro, surgiu uma luz do céu, um prodígio, uma luz diferente e linda. O fenômeno que alucinou os penitentes, rebatizou a serra, virou Monte Santo, onde foi erguida a igreja mais alta do mundo, tão alta quanto humilde, em 1775.   Fomos num microônibus todo amarelo. Bendengó, depois Euclides da Cunha, onde descemos para abastecer e, finalmente, a montanha. Tudo sendo feito cantando em coro sambas antigos e novos misturados com o repertório da peça e das peças do Oficina. Nessa levada, subimos e descemos lendo trechos do livro que falam de Monte Santo, da fé que ergueu seu caminho todo de pedra, com aquelas descrições formidáveis oferecidas por Euclides da Cunha n’Os Sertões.   Quando voltamos, já noitinha, o Zé Celso reuniu todo o elenco num terreiro em frente do açude de Cocorobó, feito com as águas do Rio Vaza Barris. Lembrou que estamos no lugar. Que o texto aqui ganha lugar para a sua realização mais concreta, mais viva. Dia 2 de dezembro, último dia das cinco apresentações, é o aniversário de 105 anos da publicação do monte santo de palavras chamado Sertões. PASCOAL EUCLIDES DA CONCEIÇÃO CUNHA, REPÓRTER ESPECIAL DE ‘CULTURA E PAZ’, EM CANUDOS

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