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Decadentes

O neonazismo brasileiro não é nem original

Por Luis Fernando Verissimo
Atualização:

Um dos primeiros atos de Joseph Goebbels como ministro de Propaganda de Hitler foi organizar um Salão de Arte Decadente, para a Alemanha saber do que a nova ordem a estava livrando. O Salão, que reuniu os principais artistas alemães da época, foi um sucesso de público e, ao mesmo tempo, a última manifestação de qualquer tipo de liberdade criativa na Alemanha antes de mergulhar nas trevas do nazismo. O neonazismo brasileiro não é nem original. 

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Leitor ideal. (Da série Poesia numa Hora Dessas?!) A primeira referência, em grego, à prática de escrever, portanto provavelmente a primeira na literatura ocidental, está no livro 6 da Ilíada, e não é boa. Alguém é encarregado de levar “sinais mortíferos”, a inscrição numa lousa, a outro alguém. No tempo da Ilíada, histórias eram transmitidas oralmente, não havia um texto atribuível com certeza a Homero ou sequer certeza de que existia um Homero. Para o público da época, a escrita era algo remoto e misterioso, e as marcas cunhadas em pedra ou argila, como descritas na Ilíada, um código esotérico e certamente sinistro. As marcas aprisionavam e imobilizavam as palavras, levavam-nas para outro domínio e lhes davam outro poder, diferente do poder comum e do sortilégio compartilhado, da palavra dita. Por isso, a escrita estreou na literatura caracterizada como mortífera. 

Séculos depois de Homero outro poeta, W.B. Yeats, diria que fazia seus versos de “bocados de ar” e Anthony Burgess, que usou a frase de Yeats – “A mouthful of air” – como título num livro seu sobre linguagem, escreveu que a primeira realidade da literatura é essa mesmo, um bocado de ar transformado pelos órgãos vocais, enquanto a escrita e a impressão são suas realidades secundárias. Mas é a palavra escrita que dá permanência à linguagem, mesmo ao preço de roubá-la da sua vulgaridade democrática, e quase toda a nossa experiência literária é feita dessa segunda realidade. Ao contrário dos gregos antigos, só “ouvimos” os poetas dentro da nossa cabeça, e preferimos assim. Lembro da decepção que foi ouvir uma gravação do T.S. Eliot declamando seus próprios poemas. Era uma leitura tão diferente da minha, silenciosa, que concluí que ele não entendia o que tinha escrito. 

Pode-se dizer que, assim como ninguém tem prazer em ler uma partitura musical sem som, é na partitura – nos sinais escritos – de um poema, ao contrário da sua oralização, que está a musicalidade. Por melhor que seja o declamador, ele nunca se igualará ao leitor ideal de um texto favorito: você mesmo para você mesmo. 

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