Criador do grupo Monty Python, John Cleese lança livro de memórias

Ator de 75 anos afirma que as sátiras fazem as pessoas pensarem; livro está sendo publicado na Alemanha

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Por Cristoph Scheuermann e Barbara Supp
Atualização:

Demora um pouco para as pessoas começarem a reconhecer o homem que apareceu na sala do Draycott Hotel em Londres. John Cleese, de 75 anos, está usando um grosso cachecol e um casaco de inverno e não esconde o fato de que padece de um terrível resfriado. Cleese quer promover a tradução de seu livro de memórias, So, Anyway, que está saindo na Alemanha. Nele, Cleese escreve sobre sua infância, a mãe dominadora e seus primeiros passos na cena humorística britânica dos anos 1960.

Cleese é famoso por ter criado o Monty Python. Os membros do grupo humorístico incluíam Graham Chapman, um colega de Cleese em seus anos de Cambridge, que morreu em 1989. Os outros eram Michael Palin, Terry Jones e Eric Idle, que estudaram juntos em Oxford, além do ilustrador americano Terry Gilliam.

John Cleese Foto: Joel Ryan/Invision/AP

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Em 1969, a BBC transmitiu o primeiro episódio do Monty Python Flying Circus, catapultando o grupo para a fama internacional e criando um novo padrão de comédia. Depois de o grupo se desfazer, em 1983, escreveu roteiros, criou a série Fawlty Towers e o filme Um Peixe Chamado Wanda e também fez comerciais e aparições nos filmes de James Bond e Harry Potter. Em tudo isso, porém, ele se manteve fiel a si mesmo, fazendo sempre o papel de um cavalheiro terrivelmente sério enquanto falava os maiores disparates para a câmera.

Devemos ao sr. uma terrível cena de horror, que está no filme Um Peixe Chamado Wanda. Nela, o sr. está sentado na cama, cortando as unhas dos pés. 

Sim, é mesmo horrível. Mas há uma outra ótima cena de horror. Fiz o professor Waldan na adaptação de 1994 de Frankenstein e fui esfaqueado até a morte por Robert De Niro. Se você for assassinado por alguém, que seja por De Niro. É um assassino maravilhoso.

O sr. gostava de atacar e ridicularizar a Igreja. A Vida de Brian, a história de um jovem na Judeia que não é Jesus Cristo, mas mesmo assim é seguido como um salvador e depois crucificado, foi considerada uma blasfêmia quando foi lançada em 1979.

Houve um pequeno número de pessoas em cidades rurais, todas muito conservadoras, que, incomodadas, disseram: “Vocês não podem exibir o filme”. Aí, as pessoas alugavam um carro e guiavam 15 milhas até a cidade próxima e iam ver o filme lá. Mas muitos cristãos falaram. “Nós entendemos, sabemos que a piada não é sobre religião, mas sobre o modo como as pessoas seguem a religião.” 

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Hoje em dia, muçulmanos e Islã são temas arriscados. São assuntos bons para sátira? 

Com certeza. Não é possível zombar de Jesus ou de São Francisco de Assis, que foram seres humanos maravilhosos. As pessoas só são engraçadas quando agem de maneira imprópria. Claro que se pode zombar de muçulmanos. Eles simplesmente o matarão em seguida, sim. Mas, falando sério: se pessoas muçulmanas, que têm um sistema de valores bem diferente, vierem ao Ocidente, acho que elas deveriam aceitar que há certos valores básicos no Ocidente intrínsecos de nossa cultura. Assim como não sugeriria que algum ocidental andasse pela Arábia Saudita de biquíni. Respeitar a cultura local. E, certamente, há muitos muçulmanos admiráveis e há o outro tipo. Nós também temos o outro tipo. Se tiramos sarro do cristianismo, por que não podemos tirar sarro de outras religiões e seus seguidores? A sátira faz as pessoas pensarem.

Em outras palavras: a sátira pode mudar o mundo? 

Quando eu era jovem, achava que se tirasse sarro de um certo tipo de comportamento, as pessoas perceberiam que ele era ridículo, e, aos poucos, ele desaparecia. Não desaparecia. É claro que não. O comediante Peter Cook fez esta piada sobre aqueles maravilhosos cabarés de Berlim dos anos 30 que fizeram tanto para conter Hitler. Bem, vocês sabem o que aconteceu. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK 

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