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'Cores' retrata desbotamento de uma geração

Por Flavia Guerra
Atualização:

É altamente irônico o fato de que Cores, primeiro longa-metragem de Francisco Garcia, seja preto e branco. Afinal, como bem diz o diretor, tudo que falta na vida dos três personagens que compõem esta fábula urbana é cor. Na trama, criada com capricho por Gabriel Campos e Garcia, três jovens, ma non troppo, que já passaram da edulcorada casa dos 20, ainda não (re)começaram a vida aos 40, vivem a fase das ilusões perdidas da casa dos 30. Eles são Luara, Luca e Luiz. Ela, de 30, trabalha em uma loja de peixes ornamentais, namora Luiz e vive em um 'não lugar', um apartamento com vista para a pista do Aeroporto de Congonhas e quer juntar dinheiro para poder fazer uma viagem. Já Luca, 31, é um tatuador que, debaixo da agressividade exibida por suas tatoos, esconde a delicadeza que tem ao tratar a avó, com quem mora no subúrbio. Luiz, 29, vive em uma típica pensão no centro, trabalha em uma farmácia, de onde 'empresta' alguns remédios tarja preta e faz bicos suspeitos com sua moto. Sem grandes ambições ou convicções, passam seu tempo bebendo, fumando e circulando, quase sempre sozinhos, pela cidade. Longa que fez sua pré-estreia mundial há menos de um mês no Festival de San Sebastian, Cores é preciso ao detectar o mal-estar de uma geração. Pertence à linhagem de filmes feitos para serem, mais que assistidos, sentidos. É genuína a sensação de desbotamento dos sonhos de juventude o que se sente ao ver a cidade retratada em tons de cinza. É o peso de um cotidiano opressor da grande metrópole o que se respira ao ouvir os acordes da trilha sonora densa, que revela também a personalidade de cada um dos amigos. E é sentir as utopias escorrerem pelo ralo o que se conclui ao ver a goteira que pinga insistentemente na cabeça de Luiz ou assistir ao noticiário alarmante sobre as chuvas que castigam São Paulo enquanto o trio a tudo assiste impassível. Tão irônica quanto a opção pelo p&b é a cena em que Lula discursa na TV sobre o momento de crescimento econômico pelo qual o Brasil passa. "Estes três não acompanham este progresso. São, como nós, filhos da geração de Terra Estrangeira, que cresceu em um País em crise, e agora não sabe onde se situar", contam Campos, de 28, e Garcia, de 32. "Muito do que está no filme foi inspirado em nossos amigos", comentam.Retrato de uma geração perdida na era do 'pós-tudo', faz diagnóstico preciso dos que se sentem estranhos no paraíso, em eterno descompasso com o próspero Brasil neoliberal. Em tempos de compro, logo existo, Cores é, mais do que tudo, um filme urgente.

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