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Coreografia do desterro

O consagrado japonês Tadashi Endo cria espetáculo a partir de Manabu Mabe

Por Maria Eugenia de Menezes
Atualização:

Ma be Ma. Sensibilidade oriental de traços delicados aliada a influência de países que acolheram Endo e Mabe no Ocidente

 

 

 

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Tadashi Endo vive na Alemanha há 40 anos. Foi na cidade de Göttingen que o coreógrafo e diretor japonês estabeleceu sua vida profissional, abriu um centro de referência de butô, concebeu seus espetáculos. Mas, mesmo depois de tanto tempo, ele não deixou de se sentir um estrangeiro. Quando retorna ao país natal, conta, a situação não é muito diferente. "No Japão, sou alemão. Na Alemanha, sou japonês. Sou sempre uma outra coisa", diz, oferecendo a chave para compreender seu novo trabalho.

 

 

 

É a partir desse estado de intervalo que o bailarino criou Ma be Ma, coreografia que estreia hoje no Sesc Ipiranga, onde faz três apresentações. O espetáculo nasceu em São Paulo. Desde junho, o mestre do butô ocupa um estúdio no bairro do Bexiga e lá ensaia, com bailarinos-atores brasileiros, os passos da obra em que tenta se aproximar de Manabu Mabe, ele também um desterrado.

 

Até receber o convite para fazer a obra, Endo nunca ouvira falar de seu compatriota artista plástico. Não sabia que, como ele, Mabe deixou o Japão e construiu vida e obra em outro país. E, se surpreendeu tanto com a coincidência, que resolveu incorporá-la à criação. "Fiquei admirado porque sua vida é similar à minha. Assim como me estabeleci na Alemanha, ele se fixou no Brasil."

 

Durante a conversa, o bailarino passa em revista a sua história para dar conta dos pontos de contato que acredita ter descoberto. "Saí de meu país porque estava orientado para o estrangeiro. E, hoje, me sinto bem mais japonês. Meu estilo de vida é alemão. Falo alemão, meus amigos são alemães, é lá que vivo. Mas minha forma de perceber as coisas é mais japonesa." Com Mabe, ele acredita, o caminho seria semelhante. As cores intensas que caracterizam sua paleta pictórica seriam o resultado direto de uma influência brasileira. Em seus traços, únicos e delicados, sua sensibilidade oriental, contudo, teria se mantido intocada.

É fácil compreender as motivações de Endo na hora de pensar seu espetáculo. E é complicado também. Os movimentos que tenta despertar nos intérpretes são relativamente simples, passeiam pelo campo traçado pelo pintor sem se limitar a ele. Fogem do virtuosismo, mas buscam dar conta de um universo de significados e pontos de conexão. O que importa, explica o dançarino discípulo de Kazuo Ohno, é manter certo estado constante de tensão. Um conceito que nomeia como Butoh-MA e que consiste, justamente, em se colocar no espaço que existe entre as coisas: "Entre ser japonês e ser alemão, entre a minha vida e a de Mabe."

Em casa. Para encontrar Tadashi Endo, basta ir ao botequim que fica diante da sala de ensaios. Diariamente, a mesa do bar se transforma em uma espécie de escritório, lugar em que discute detalhes da montagem, repensa o cenário, define a trilha sonora. A intimidade com o espaço é uma pista para compreender também sua relação com São Paulo, cidade na qual já esteve várias vezes e onde cultivou estreita amizade com o grupo Lume. Desta vez, o coreógrafo se arriscou em uma produção independente do coletivo de Campinas, mas selecionou aqui toda a equipe técnica e o elenco.

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Em audições, que tiveram mais de 240 inscritos, escolheu 12 intérpretes. Quase todos muitos jovens. Um critério que teria lhe garantido o frescor e a disposição necessários para apenas resvalar no butô, sem se deter nele, e para passear por temas musicais tão distintos, como Besame Mucho ou uma canção pop de Michael Jackson.

Além de Ma be Ma, Endo também apresenta, no sábado, uma outra coreografia no Sesc Ipiranga. Em Ikiru, que já passou por Salvador e Campinas, mas é inédita na capital paulista, o dançarino encena solo-réquiem no qual reverencia uma de suas grandes referências, a bailarina Pina Bausch, morta no ano passado.

QUEM ÉTadashi Endo, Coreógrafo e Cirado de Ma be Ma

É um dos mais expressivos nomes da dança butô. Discípulo de Kazuo Ohno, o coreógrafo japonês nascido em 1947 vive na Alemanha. Seu repertório inclui formas tradicionais do teatro ocidental, que ele estudou em Viena.

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