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Coreógrafa Ivonice Satie morre aos 57 anos, em SP

Com ela desaparece um tipo de profissional raro, aquele que, além do talento artístico, é um empreendedor

Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

A morte da coreógrafa Ivonice Satie, na madrugada desta terça, 12, de câncer, aos 57 anos, representa mais que uma perda para a dança brasileira. Com ela desaparece um tipo de profissional cada vez mais raro, aquele que, além do evidente talento artístico, é um empreendedor, deixando sua marca em tudo o que toca. Ivonice será lembrada tanto por coreografias ousadas como Shogun (1982) com a qual conquistou prêmios internacionais (como o da cidade suíça de Nyon, em 1983, e o da cidade búlgara de Varna, em 1996), como por sua marcante passagem pelo Balé da Cidade de São Paulo, companhia para a qual dançou durante 14 anos e de que foi diretora artística de 1993 a 1996.   Recentemente homenageada por colegas, que dançaram, em março, coreografias suas ou inspiradas em seu trabalho, Ivonice Satie lutava há tempos contra o câncer. Sua ligação com o Balé da Cidade era antiga. Ela estreou na companhia há exatamente 40 anos e fez parte do primeiro corpo de baile, quando, sob direção de Johnny Franklin, o grupo dançava basicamente o repertório clássico, antes das mudanças introduzidas por Antonio Carlos Cardoso, em 1974, que conduziram o Balé da Cidade para o caminho da dança contemporânea.   Ivonice foi solista muito cedo. Em 1989, decidiu mudar para Genebra e lá trabalhar como coreógrafa. Cosmopolita, essa filha de imigrantes japoneses lutou para estabelecer um diálogo transnacional na dança, vencendo resistências até políticas para trazer coreógrafos estrangeiros e projetar o nome do Balé da Cidade. Foi graças a esse trânsito internacional que a companhia passou a ser convidada para se apresentar fora do Brasil. Como o apoio governamental à dança sempre foi pífio no País, muitos dos bailarinos formados pela coreógrafa acabaram aceitando convites para se juntar a companhias européias e americanas.   Também Ivonice poderia ter permanecido no Exterior, considerando os inúmeros convites que recebeu de companhias estrangeiras, como o Jeune Ballet de France ou o San Francisco Ballet, para as quais trabalhou com coreógrafa convidada. Sem preconceitos, ela participou até mesmo de um musical da Broadway a convite de Walter Clark, A Chorus Line (1981), que trata das dificuldades de uma companhia de dança para montar um espetáculo, assunto do qual entendia muito bem, ela que vivia sempre entusiasmada com novos projetos e disposta a experimentar.   Exemplo disso é a vigorosa coreografia de Shogun, homenagem ao avô, mestre em laido Shinto-ryu. Essa iniciação em artes marciais é transparente no inesquecível pas-de-deux do mestre e do discípulo em Shogun, que revela o amplo painel de influências culturais de Ivonice, de músicas étnicas ancestrais japonesas ao som mineiro de Milton Nascimento. Essa coreografia de movimentos certeiros, em Shogun, tornou-se também a marca da Companhia Sociedade Masculina, da qual Ivonice era co-diretora, além de diretora artística da Companhia de Dança do Amazonas.   Sua identificação com os movimentos do corpo masculino começou logo cedo. Foi do pai que Ivonice aprendeu os primeiros passos de dança e foram as tradições dos samurais que incentivaram a criação de Shogun, obra pela qual certamente gostaria de ser lembrada, entre tantas coreografias que assinou - cabendo ainda destacar Saga (de 2005, para a Companhia Sociedade Masculina) e Tomiko (2006), esta última uma comovente homenagem à mãe, ainda viva.   Um dos parceiros mais constantes de Ivonice Satie foi o coreógrafo Luis Arrieta, com quem dançou Conjunção (2005), ao som do Quatuour Pour la fin des Temps, de Messiaen. Para a Companhia de Dança do Amazonas ela criou há quatro anos a coreografia Grito Verde, sobre o esplendor natural e a miséria social da Floresta Amazônica. Ivonice Satie será enterrada nesta quarta, 13, às 17 h, no cemitério do Morumbi.

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