Cinema al dente com a novíssima safra de filmes italianos

Semana de Cinema começa e traz ao Brasil profissionais italianos que vão trocar experiências com brasileiros

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Por Flavia Guerra
Atualização:

Que a fase de ouro do cinema italiano produzido por mestres como Antonio, Pasolini e Fellini já é história é mais que sabido. O que falta saber é onde e como ecoa o barulho produzido por estes mestres do realismo, da contracultura, do cinema provocativo e de autor. Muitos fãs torcem o nariz para a atual produção italiana e dizem que uma grave crise criativa e produtiva se abateu sobre o país que já foi, ao lado da França, o maior concorrente da hegemônica produção americana. Mas há os que cumprem a tarefa de ficar de olho no que os novos cineastas italianos produzem. E chegam à conclusão: o cinema italiano resiste.   Trechos do filme Tutte Le Donne Della Mia Vita, um filme de Simona Izzo   É de olho nesta produção e na reconquista do público perdido há algumas décadas que começa nesta quinta-feira, 27, a 3.ª Semana do Cinema Contemporâneo Italiano de São Paulo. Promovida pela Câmara Ítalo-Brasileira e Comércio e Indústria, a mostra se estende até 4 de outubro e vai revelar a mais fresca safra do filmes produzidos no Bel Paese. A lista é eclética e atual. Se não traz o supra-sumo do cinema independente italiano (que faz bonito com títulos como Amigo de Família, de Paolo Sorrentino e Como a Sombra, de Marina Spada), traz títulos que agradam tanto a um público mais atento quanto a espectador que há tempos não vê divas como Monica Bellucci na telona.   A tradicional receita do filme comercial de qualidade dá a tônica a seleção coordenada por Andrea Paris, do FilmItalia, responsável, ao lado da Câmara, pela curadoria da mostra. Vale lembrar que a FilmItalia é o uma sociedade do grupo Cinecittà Holding que promove o cinema italiano no exterior. "É fato que a produção cinematográfica italiana passou por um período negro nos anos 80 e 90. E quando você me pergunta se esta crise foi criativa ou produtiva, eu chego a pensar na velha máxima de quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha. Brincadeiras à parte, há um cenário complexo que produziu esta crise.", comenta Paris.   "Crise econômica por que a Itália passou nestas décadas, crise criativa, forte presença do cinema norte-americano dominando as salas e o imaginário do espectador. Tudo isso forma este quadro. Mas os jovens cineastas estão reagindo e, pouco a pouco, estamos retomando o padrão de qualidade, do cinema de autor, com a nossa cara", completa o curador, que vê no Brasil um forte mercado para o cinema de seu país.   Por falar nestes novos expoentes, os títulos que serão exibidos a partir de amanhã no Cinemark Shopping Iguatemi, parceiro da Semana desde a primeira edição, revelam bem a proposta do comercial de qualidade a que Paris se refere. N (Eu e Napoleão), de Paolo Virzi, traz Mônica Bellucci e Elio Germano (um dos mais talentosos atores da nova geração) em um drama de época sobre a presença de Napoleão na Ilha de Elba, no século 19. Comédia Sexy revela muito do cotidiano da Itália nos dias de hoje ao contar com humor a história de um político romano que tem sua carreira ameaçada quando seu caso com uma bela atriz pode vir à tona.   "Último Minuto Marrocos conta a historia de um adolescente (Valerio Mastrandrea) que tem uma mãe super protetora e um pai indiferente. Vai buscar em uma cultura que não domina, a marroquina, a liberdade e a passagem para a vida adulta que não consegue na realidade estagnada do país em que vive. Mas O que Estou Fazendo Aqui, de Francesco Amato, vai pelo mesmo caminho da busca do jovem por novos parâmetros e liberdade. E retrata a aventura do jovem Alessio (Paolo Sassanelli), que decide viajar de moto pela Europa com os amigos no fim do segundo grau. Detalhe: ele foi reprovado e proibido pelos pais.   É interessante, e sintomático, este jovem cinema italiano, que tenta retratar na película a encruzilhada em que se encontram muitos jovens italianos, divididos entre os cuidados excessivos das famílias, uma vida adulta em que oportunidades de trabalho e carreira nem sempre estão ao alcance e as relações e convicções políticas morreram com a última utopia do março de 68.   Mais adulto e também na linha da crônica de costumes, surge Todas as Mulheres da Minha Vida. Dirigido por Simona Izzo, o filme mostra a virada de mesa de um talentoso cozinheiro, que decide rever todas as mulheres que já amou na vida. Completam a lista Em Minha Memória, e Liscio, tragicômica história de Raul, um garoto cuja mãe (a bela Laura Morante) é dançaria de Liscio (uma dança tradicional italiana) e sempre se envolve com os tipos errados. Raul tem apenas 12 anos, mas é sábio demais para a idade e quer encontrar um bom homem para a mãe, seu professor de música, Antonio Catania. O ator, aliás, vem a São Paulo para participar de conversar com estudantes da Faap (parceira da Semana de Cinema) e estará nesta quinta presente no coquetel de abertura da mostra.   Convidados   Além de Catania, a lista de convidados internacionais conta com Francesco Amato, Laura Delli Colli, presidente do Sindicato dos Jornalistas Cinematográficos da Itália, Monique Catalino, da Filmitalia, Lamberto Mancini, Diretor da Cinecittà Studios, Rosanna Seregnim, vice-presidente da Associação dos Produtores Independentes e Annamaria Pasetti, jornalista e crítica de cinema.   A lista de filmes e convidados é eclética e aproxima o público comum de um cinema que conta muito sobre a Itália de hoje. "Não adianta trazer um filme muito experimental, muito de autor para uma mostra que quer conquistar também o público que não é o cinéfilo de carteirinha. Queremos o público que gosta de cinema. Seja qual for. Os filmes mais artesanais italianos chegam ao Brasil em festivais como a Mostra de Cinema, que sempre traz mais de uma dezena em suas edições", comenta Paris.   A observação do curador procede. Em se tratando de uma sala como Cinemark Iguatemi, uma comédia como Comédia Sexy tem chances mais concretas de atrair um público que não dispensa a pipoca e o refrigerante e, ao mesmo tempo, procura um filme inteligente. Diversidade não faz mal a nenhum espectador.   Quando o assunto é diversidade, vale lembrar que a via entre cinema italiano e brasileira é de mão dupla. De olho no circuito de salas italiano, que também sofreu nas últimas décadas a invasão maciça dos filmes norte-americanos, o Brasil também quer cavar seu espaço no país.   A Câmara assinou um acordo com a Embaixada do Brasil em Roma para promover o cinema brasileiro na Itália e aumentar a participação do cinema brasileiro em festivais italianos. "Ele prevê ações de colaboração bilateral entre os dois países. Vamos estar sempre em contato. Sempre conectando agentes brasileiros com os italianos", conta Francesco Paternò, secretário geral da Câmara de Comércio.   A primeira investida toma corpo em outubro, quando uma comitiva brasileira viaja a Roma, durante o Festival Internacional de Cinema. Produtores, diretores, atores e afins vão conhecer o sistema de produção italiano e visitar os estúdios da Cinecittà. Para completar, no dia 26 de outubro, um coquetel na Embaixada Brasileira sela a parceria entre os dois países.   "Cultura é uma área mais que estratégica. Temos todo interesse em promover a produção artística do Brasil na Europa. Sempre promovemos eventos culturais, como os de música clássica, na Embaixada. Há uma freqüência ótima. E cinema é mais que perfeito para ampliar ainda mais esta nossa ação", declara o embaixador do Brasil em Roma, Adhemar Bahadian, que já fechou acordo com a organização do RomaFilmFest. Em 2008 o Brasil será o país homenageado. "Uma pequena mostra já está sendo preparada para este ano. No próximo, será um evento muito maior", adianta.

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