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Catherine Deneuve, uma mulher absoluta

A atriz francesa fala sobre seu novo filme e como a idade tem um lado libertador

Por Luiz Carlos Merten e BERLIM
Atualização:

Catherine Deneuve trabalhou com alguns maiores diretores do cinema - Luis Buñuel, Luis Buñuel, Luis Buñuel -, mas, cada vez mais, sua grande referência é Jacques Demy. "Tenho um carinho especial por Duas Garotas Românticas, que fiz com minha irmã, Françoise (Dorleac). E foi com Jacques que comecei a ter consciência do que era atuar", ela conta, numa entrevista realizada sexta-feira no Hotel Adlom. Catherine participou da competição de Berlim neste ano com Elle s en Va, Life Goes on, de Emmanuelle Bercot, no qual interpreta uma avó que passa por uma experiência transformadora ao cair na estrada com o neto de 11 anos.Emmanuelle (a diretora Bercot) a definiu como mulher absoluta. O que pensa disso?Catherine Deneuve - Ela disse isso? Mulher Absoluta era o título de um filme com Katharine Hepburn, não? Não consigo imaginar o que Emmanuelle estivesse querendo dizer. Ela escreveu o papel para mim e é verdade que essa personagem me permite fazer coisas que nunca fiz antes na tela, mas acho que as pessoas projetam muitas coisas delas em mim. Dizem que eu sou ícone, mas eu durmo e acordo todo dia como todo mundo. Tem gente que ainda fantasia pensando em mim como a loira frígida dos filmes de Buñuel e (Roman) Polanski. Mas, se eu algum dia fui (a loira fria), isso é passado. Tento-me adaptar às circunstâncias. O tempo passa e eu não quero ficar prisioneira de uma imagem. Mas também não quero mudar por mudar. Faço as coisas do meu jeito, e o importante é que as pessoas respeitam e aprovam minhas escolhas.Não sei se posso dizer que se trata de um novo começo, mas filmes como Potiche, a Esposa Troféu e agora Elle s en Va marcam um tournant. Concorda?Catherine Deneuve - Durante tanto tempo interpretei mulheres que, de alguma forma, eram idealizações de grandes diretores e agora as pessoas se surpreendem de me ver interpretar mulheres comuns, de uma certa idade. Emmanuelle (Bercot) escreveu Elle s en Va para mim e me fez saber que, seu eu não aceitasse o papel, não haveria filme, porque ela não conseguia imaginar fazendo-o com outra atriz. C'est flattant, mas eu não aceitei por isso, mas pela riqueza do papel. Bettie, minha personagem, vive um momento terrível. Foi abandonada pelo amante por uma mulher mais jovem, fica perdida no mundo e, nesse momento, as coisas acontecem. Ela vai para a cama com um homem mais jovem, o neto necessita dela.A cena de sexo é divertida justamente porque o cara mais jovem diz que você continua sexy e atraente, mas durante o ato fica pensando como você deve ter sido na juventude. Sentiu algum embaraço nesse momento?Catherine Deneuve - Nãããoooo, pois era justamente isso o que havia divertido na cena. Acho que toca a essência não só da personagem, mas do filme. Marco, com quem estou na cama, imagina como eu era, mas o espectador sabe quem eu sou e como eu era. E pode até pensar - ela ainda consegue, afinal de contas... A idade tem um lado libertador. Quando jovens, nos preocupamos muito em agradar aos outros. Com o tempo, a gente descobre que só consegue satisfazer os outros quem estiver satisfeito consigo mesmo.Uma das curiosidades do papel é que você representa com não profissionais. Na cena do bar, com mulheres de sua idade. Como foi a experiência?Catherine Deneuve - O filme já nasceu na cabeça de Emmanuelle com esse conceito. O que ela gosta é descobrir talentos, de proporcionar a pessoas anônimas a chance de mostrar que possuem uma habilidade que desconhecem frente às câmeras. Não foi intimidante para mim nem para os não profissionais. O clima no set era muito tranquilo. Todos queríamos servir ao filme, e às personagens.A personagem tem muita coisa sua. Bettie fuma compulsivamente, e você também. Bettie é mais você do que outras personagens de sua carreira?Catherine Deneuve - Mas é um detalhe. Quando Emmanuelle escreveu o papel, ela não me conhecia, ou fazia de mim essa ideia distante que as pessoas possuem. Calhou, talvez, de alguns detalhes terem se ajustado, mas Bettie não sou eu. Não teria graça ficar apenas me repetindo frente às câmeras. A cena em que o idoso rola o cigarro para mim é exemplar. Ele realmente não conseguia enrolar o cigarro e eu tinha de passar a ansiedade de Bettie. Poderia ter sido intimidador, mas foi gratificante. Minha família do cinema ganhou mais integrantes com esse filme.Você trabalhou com grandes astros e diretores. Catherine Deneuve - Não choro o passado, mas certos contatos e filmes foram muito importantes para que não me emocione pensando neles. Já fiquei mais triste pensando em Os Guarda-Chuvas do Amor, nas Garotas Românticas. E, se tenho saudade de Françoise, a tela me restitui sua imagem. Éramos jovens, sonhávamos tanta coisa. É uma emoção mais serena, que ainda dói, mas com qual a qual consigo sobreviver.Qual é o seu segredo para permanecer tão maravilhosa?Catherine Deneuve - Ah, mas isso é uma fantasia do seu olhar, do olhar dos outros sobre mim. Não sou essa pessoa maravilhosa. Sou humana, mas, às vezes, acho que todas essas personagens me permitiram viver melhor, e me aceitar.

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