PUBLICIDADE

Casarão do Chá no Brasil, um haicai arquitetônico

Restauro do delicado enigma da carpintaria nipônica de Mogi das Cruzes mobiliza brasileiros e japoneses

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

Não existe nenhuma outra construção como o Casarão do Chá no Brasil. Foto: Nilton Fukuda/AE

 

Jotabê Medeiros - O Estado de S. Paulo

PUBLICIDADE

 

MOGI DAS CRUZES - “Sobre o telhado/ flores de castanheiro/ ignoradas”, escreveu o poeta japonês Matsuo Bashô (1644-1694).

Como no haicai de Bashô, o telhado de galhos do Casarão do Chá permaneceu ignorado durante muito tempo, prestes a beijar o chão. Mas, graças à persistência de um grupo de japoneses e descendentes de Mogi das Cruzes (a 63 km da capital), está na iminência de ser totalmente recuperado – e, no ano que vem, será reinaugurado com o milenar rito da Cerimônia do Chá.

 

Veja também:

 

Não existe nenhuma outra construção como o Casarão do Chá no Brasil. Construído pelo mestre-carpinteiro japonês Kazuo Hanaoka em 1942 (ano em que o Brasil rompia relações diplomáticas com o Japão), é o único exemplar da arquitetura japonesa no País tombado pelo patrimônio histórico.

 

Não foram usados pregos ou parafusos na construção, só encaixes de madeira (tradicional técnica japonesa usada por causa dos constantes terremotos). As vigas são de madeira in natura, e em cada encaixe há um signo em kandi (ideogramas). A cobertura é a tradicional irimoya (telhado côncavo, voltado para dentro) e a planta é livre (com poucas divisões internas). E há um toque que pode sugerir “sincretismo”, mistura de técnicas: o uso da brasileiríssima taipa com bambu entrelaçado (só que também no estilo japonês).Em 1982, o Condephaat (estadual), e em 1986, o Iphan (federal) reconheceram a peculiaridade do local e decidiram pelo seu tombamento, por conta de suas características ímpares. É também um raro exemplar da fase final da imigração japonesa no Brasil. Instalado no quilômetro 10 da estrada Mogi-Salesópolis, numa zona agrícola de intensa concentração de imigrantes do Japão, ele serviu originalmente a uma fábrica de chá preto (ainda estão lá as velhas máquinas).

Contudo, apesar de precioso, em 1997 ele estava quase condenado, com suas vigas de madeira comidas por cupins, fungos e apodrecimento. Recuperá-lo era uma tarefa hercúlea, já que sua técnica construtiva não tinha equivalentes na América Latina. Por exemplo: é impossível reposicionar uma nova viga no telhado sem se retirar uma das colunas. Foram convocados técnicos do Instituto de Pesquisas tecnológicas da USP (IPT). Uma junta de especialistas (entre eles os arquitetos Carlos A. Lemos, Victor Hugo Mori, Celina Kuniyoshi, José Leme Galvão Júnior e Kunikazu Ueno) debruçou-se sobre o delicado enigma arquitetônico de Mogi das Cruzes. Até um especialista da Unesco, Kunikazu Ueno, ficou no Brasil 50 dias estudando a questão do restauro – chegou a propor a desmontagem total do edifício.

Mas a coisa só começou a andar mesmo quando foi trazido um mestre marceneiro do Japão, Tetsuya Nakao, para trabalhar no restauro. Nakao foi a Mogi em 2006. Marceneiro na província Mie-ken, é um estudioso das técnicas tradicionais da construção da carpintaria japonesa e especialista na construção e restauração de templos budistas e xintoístas no Japão.

O Casarão do Chá poderá tornar-se um dos novos pontos turísticos do Estado de São Paulo no ano que vem. O ceramista japonês Akinori Nakatani, que tem percorrido gabinetes e escritórios de empresas há 15 anos procurando por socorro ao prédio, conseguiu fundar a Associação Casarão do Chá. No início, teve dificuldades – não conseguia obter recursos por meio das leis de incentivo.

Mas a persistência de Nakatani é rigorosamente oriental. E agora suas vitórias são expressivas: além de ter conseguido a cessão do terreno do Casarão, 6,6 mil m², da prefeitura de Mogi das Cruzes, assinando um contrato de uso até 2017, conseguiu comprar o entorno (2 hectares). “A nossa intenção no projeto é atrair os turistas que utilizam as rodovias Mogi-Bertioga e a Mogi-Salesópolis até aqui com eventos, feiras de artesanato, comidas típicas, além de exposições de arte e demonstração da Cerimônia do Chá”, argumenta Nakatani.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

A casa-sede, antiga residência do industrial Fukashi Furihata (ao lado do casarão), também tombada, abrigará o escritório da Associação e alojamento para palestrantes. No terreno da Associação serão construídos restaurantes, lojas (para venda de artigos artesanais, objetos de decoração e artigos com o logo do Casarão), ateliês (de cerâmica e vidro) e um pequeno pomar de chá (para fabricação manual do chá).Identidade. “Na circunstância atual, em que os descendentes se tornam cada vez mais brasileiros, com traços fisionômicos de sua origem, faz-se necessário preservar no mínimo estes valores culturais que poderão ser, um dia, referenciais à reflexão da sua própria identidade”, diz Nakatani.

É uma construção que também vive na memória afetiva das pessoas naturais da região. “Eu costumava ir de bicicleta até o casarão quando era adolescente. É uma das coisas mais bonitas de Mogi”, disse o fotógrafo Nilton Fukuda, do Estado, ao se oferecer voluntariamente para ir até o local fazer um ensaio em sua folga, no domingo.

Este ano, para a fase final de sua recuperação, o Casarão do Chá conseguiu que o governo do Estado aprovasse a captação de R$ 599 mil (que já têm o apoio da Gerdau). Tudo somado, com as verbas do Ministério da Cultura (R$ 270 mil) e Iphan (R$ 277 mil), terá consumido R$ 1,3 milhão até o final do ano.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.