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Brasileiros viajam no tempo em "Intempol"

Livro quer abrir caminhos para "franquia" de ficção científica genuinamente nacional

Por Agencia Estado
Atualização:

Guerra nas Estrelas, Jornada nas Estrelas e Matrix não são só títulos de filmes de sucesso. São universos ficcionais coerentes, que se desdobram, ainda, em livros, quadrinhos, brinquedos: as chamadas "franquias" da gigantesca indústria cultural norte-americana, que movimenta milhões de dólares no mundo todo - em games, vídeos, camisetas, chaveirinhos, canecas... é o clássico "veja o filme, leia o livro, compre o gibi, assista ao desenho". Foi graças a esse conceito que as produções de ficção científica viraram tema de artigos do "Wall Street Journal". Pois, a partir deste domingo, dia 26 de novembro, o Brasil também dará a largada numa iniciativa semelhante. Trata-se do lançamento na Casa da Matriz, famosa casa de festas do Rio de Janeiro, do livro "Intempol" - nome que já tem até o seu devido copyright -, organizado pelo designer gráfico carioca Octavio Aragão, de 35 anos, que já foi coordenador de arte de "O Globo", subeditor de arte de "O Dia" e, agora, editor de arte das revistas "Internet Business", "Internet.br" e "WebGuide", além de professor de design na UFRJ. Os protagonistas são policiais que viajam no tempo - assunto que soaria batido para qualquer fã escolado de ficção científica, a não ser por um detalhe: esses policiais são legítimos brasileiros, com tudo o que isso implica, inclusive o "jeitinho" de abordar suspeitos e a burocracia do departamento. O projeto já foi enquadrado na Lei Rouanet e o objetivo de Octavio é dar início a uma "linhagem" de produtos genuinamente brasileira - o que inclui até um anime (animação nos moldes japoneses, cheia de ação e violência). Golpes de cassetete - A estréia de Aragão como escritor se deu em 1998, exatamente com o primeiro conto da Intempol, dentro da antologia Outras Copas, Outros Mundos, pela editora Ano-Luz. O conto Eu Matei Paolo Rossi era uma tragicomédia carioca, escrita em primeira pessoa, sobre futebol, fanatismo e inimizades de infância - apresentava uma patrulha espaço-temporal chamada Intempol, que era uma versão da polícia brasileira, "com todas as suas características burocráticas, corruptas e violentas intocadas, encaixada à golpes de cassetete", como diz o autor, num ambiente de ficção científica. O enredo, cheio de ação e de reviravoltas, traz um vingativo torcedor querendo "salvar" a Copa do Mundo de 82 do desastre; para isso, o jeito é viajar no tempo e dar um jeito no jogador italiano Paolo Rossi. A função dos membros da Intempol é evitar interferências não-autorizadas na LT (Linha Temporal, a seqüência da história "como a conhecemos") e, para isso, eles viajam no tempo para caçar o protagonista. Pra manter o "estilo" da polícia brasileira, o narrador da história apanha um bocado para contar o que sabe. "A Intempol, Polícia Internacional do Tempo, foi uma idéia que me atropelou quando soube, através do grande amigo Fábio Fernandes - escritor, autor teatral carioca - que a (editora) Ano-Luz estava produzindo uma antologia de contos misturando futebol, um elemento muito brasileiro, e ficção científica, estilo que é geralmente relacionado aos norte-americanos", conta Aragão. "Lembrei das histórias do autor americano Poul Anderson sobre uma patrulha do tempo que ficava pulando de época em época perseguindo sujeitos que alterariam a história visando lucro pessoal e pensei: não seria muito interessante se essa polícia tivesse uma característica bem brasileira?" A idéia foi amadurecendo, mas Aragão decidiu que deveria mostrar essa "polícia" com todos os problemas que nos acostumamos a ver diariamente nos jornais: material de segunda, agentes nem sempre competentes, salários deficientes, galões de "jeitinho" brasileiro pra resolver problemas de paradoxos temporais, truculência e, algumas vezes, apesar dos pesares, heroísmos individuais. O conto original foi bem recebido pela comunidade de FC&F (ficção científica e fantasia) brasileira e, como os comentários positivos foram em grande número, ele resolveu propor a vários autores diferentes que eles dessem suas visões da Intempol. O resultado foi uma enxurrada de contos dos mais variados estilos - do tradicional "noir chandleriano" à crônica com sabor carioca, passando por exercícios mais ambiciosos com mais de 150 páginas. "Lembro ter pensado: ´isso rende mais!´" e propus que os contos fossem interligados, com personagens, cenários e situações criados por um autor usados com liberdade pelos outros para que se criasse uma coerência interna entre as várias histórias - mais ou menos como acontece nos seriados de TV", conta. "Por incrível que pareça, todos concordaram e acabou funcionando. O livro resultante pode ser lido como uma antologia de contos independentes ou como um romance onde um conto completa - ou desmente - o outro". Fazem parte do livro, além de Eu Matei Paolo Rossi, de Aragão, os contos O Homem que Nunca Existiu, de Lúcio Manfredi; O Furacão Marilyn, de Jorge Nunes; The Long Yesterday, de Osmarco Valladão; A Maldição da Múmia, de Carlos Orsi Martinho; Um Museu de Velhas Novidades, de Octavio Aragão; Saviana, de Jorge Nunes; Questão de Ponto de Vista, de Paulo Elache; A Vingança da Ampulheta, de Fábio Fernandes; São os Deuses Crononautas, de Gerson Lodi-Ribeiro e O Homem que Nunca Existiu - Bis, de Lúcio Manfredi. Franquias culturais - O conceito de franquia cultural ainda é incipiente no Brasil. Quando se pensa na presença desse tipo de "franchise" no País, poucas pessoas talvez pensassem em algo além da Turma da Mônica. Mas isso não desanima o autor da Intempol: "Eu adoro o Maurício de Souza e penso que ele é um crânio do marketing criativo, mas acho que existem outras franchises multimídia bem-sucedidas no Brasil. Numa primeira análise me vêm à cabeça o Menino Maluquinho, do Ziraldo; o Seninha e a Xuxa, sem dúvida", diz.. "E, com a criação dos Combo Rangers, pensados para ser um misto de Internet com quadrinhos e animação, parece que há um novo universo multimídia eminentemente brasileiro logo ali na esquina, com novos talentos e muita disposição", opina. O fato da Intempol visar também outro público - talvez um pouco mais velho - além do juvenil, não invalida a proposta. "Na verdade, amplia a possibilidade de produtos mais variados. O livro é apenas um primeiro passo". Os projetos são ambiciosos. Já está em vista um game para Internet planejado pela Animagraph, empresa de animação do Rio de Janeiro, que seria inserido no site www.intempol.com.br. Há um projeto de curta em desenho animado, mas o mais provável de sair num segundo momento é uma graphic novel produzida em dupla por Aragão e pelo ilustrador Cláudio Bernard e, um pouco depois, a versão em RPG. "Até dezembro temos o apoio da Lei Rouanet e ainda estamos abertos para quem quiser entrar no projeto. Até agora, nenhuma das empresas contactadas mostrou interesse, mas creio que é só dar uma olhada no que estamos produzindo até agora, sem nenhum apoio externo, pra se certificar da qualidade do material".

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