Assim me pareciam ser, uns anos mais tarde, os autores que recheavam os compêndios de língua e literatura adotados no colégio – seres distantes que neste momento reencontro, ao folhear um volume verde de capa dura, Português no Ginásio, de Raul Moreira Léllis, numa edição de 1958 recém-comprada na Estante Virtual, baú onde ultimamente dei de garimpar uns livros da minha infância e adolescência. Sim, dirá você, convinha mesmo começar de novo, agora pra valer.
Embalsamados nestas páginas, reencontro prosadores e poetas que nos eram vendidos como sendo os grandes mestres da arte literária. Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira? Que nada. O time de vinte autores escalado por Raul Moreira Léllis tem é Vicente de Carvalho, Olavo Bilac, Rui Barbosa, Alexandre Herculano, Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo, Coelho Neto. Trinta e tantos anos passados desde a Semana de Arte Moderna, o caçula nesta antologia é o modernista light Guilherme de Almeida, de quem são dados a ler sonetos do livro de estreia, Nós, de 1917. Escritor de verdade, parece decretar o antologista, é isto aí. Nem o Abgar Renault, adepto, até morrer, em 1995, de uma ortografia à prova de reformas, cravejada de Ys e PHs, entraria na seleção do professor Moreira Léllis.
Você pode imaginar, portanto, o deslumbramento da tigrada da minha geração quando, pouco mais adiante, pela mão de professores atentos também ao aqui e agora, descobrimos um punhado de escritores física e literariamente desengravatados e deschapelados, rapaziada de meia idade e mocassim sem meia que tratamos entronizar na galeria dos mestres. Para mim, ao menos, foi um pouco como a então recente revolução da bossa nova.
Estou falando do esplêndido time de cronistas cuja leitura seria, para a minha geração e as seguintes, um deleite e uma influência poderosa. Um pessoal, aliás, que já estava por ali, na efemeridade das revistas e jornais, enquanto no colégio nos queriam prender nas teias de Graça Aranha. Hoje não dá para acreditar que uma revista de grande circulação, a Manchete, trazia, toda semana, cronistas como Rubem Braga, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos, e mais Henrique Pongetti, que não fazia feio.
A era de ouro de crônica brasileira, cobrindo as décadas de 1950 e 60, tinha também Drummond, Bandeira, Rachel de Queiroz, Vinicius de Moraes, Nelson Rodrigues, Cecília Meirelles, Antônio Maria, José Carlos Oliveira, Clarice Lispector e respeitável etc.
A bossa nova literária tomou corpo a partir de 1960, quando Sabino e Braga criaram a Editora do Autor e inundaram as livrarias com coletâneas de crônicas deles mesmos e de outros craques desse gênero que, contava Otto Lara Resende, em Portugal há quem chame de “literatura em mangas de camisa”. Se você aí, mais jovem, se regalou no colégio com a série Para Gostar de Ler, em especial com os cinco primeiros volumes, reunindo Braga, Drummond, Sabino e Paulo Mendes Campos, saiba que a fórmula vem dos anos 1960, quando a editora de Sabino e Braga lançou os dois volumes de Quadrante, depois rebatizados Elenco de Cronistas Modernos.
Gênero para o qual boa parte dos estudiosos ainda torce o nariz, a crônica, esse patinho feio da literatura, é no entanto amada pelo leitor brasileiro, e vem, há décadas, ajudando a moldar a prosa de incontáveis de futuros escritores e jornalistas. Se você acha que no meu caso não deu muito certo, não ponha a culpa nos grandes cronistas que tive a sorte de encontrar em meus anos de formação.
A propósito: chega à praça o talento de um cronista que vale acompanhar, Guilherme Tauil. Endossado pelos mestres Ivan Angelo e Luís Henrique Pellanda, Sobreviventes do Verão tem lançamento paulistano na segunda-feira que vem, dia 7, no bar Balcão. Nos vemos lá!