PUBLICIDADE

Bizarro 'Finisterrae' é candidato a cult no Festival do Rio

Longa de Sergio Caballero integra a mostra 'Midnight'. Evento também apresentou novo de Karim Aïnouz, 'O Abismo Prateado'

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Era tanta gente que, por um momento, o palco do Odeon BR ficou parecendo um vagão lotado de metrô. Todo mundo atendeu ao pedido da produção, que chamou a equipe de O Abismo Prateado, dizendo que todo filme é sempre um esforço coletivo - a serviço da expressão de um autor -, mas aquele pessoal havia dado sangue por Karim Aïnouz. No centro de toda aquela gente, resplandecente, Alessandra Negrini. Ela consegue ser ainda mais bela ao vivo. O filme inspirado nas canções de Roberto (Carlos) é ela, dela. Karim sempre gostou de investigar a alma feminina (O Céu de Suely, Alice). Violeta se incorpora à sua galeria de mulheres e se o filme não está no melhor nível do diretor, confirma, mesmo assim, suas qualidades (e a capacidade de observação). É uma história tão antiga que ninguém mais sabe a origem. Em Cannes, durante a apresentação da vinheta do maior festival do mundo - uma escadaria que conduz à Palma de Ouro, ao som de O Carnaval dos Animais -, sempre tem alguém que grita 'Raul!' No Odeon, palco da Première Brasil, toda noite a história se repete. A prefeitura do Rio é a grande parceira, com a Petrobrás, do evento. Bruno Mazzeo faz um institucional que relaciona as realizações da RioFilme. Toma vaia. Na sequência, entra outro comercial da Globo Filmes, que diz que a produtora 'fala a sua língua'. Toda noite tem sempre uma voz que grita 'Mentira!' e a plateia vem abaixo. Isso já faz parte do folclore da Première. As noites são sempre quentes no Odeon, embora às vezes esquentem ainda mais. Nem O Abismo Prateado levou tanta gente, e provocou manifestações tão ruidosas, quanto o filme de Beto Brant e Renato Ciasca na noite anterior. Ontem, pode ter sido o melhor dia da Première de 2011. No fim da tarde, foi exibido o novo Eduardo Coutinho, As Canções, seguido de Corações Sujos, de Vicente Amorim (fora de concurso), e Sudoeste, de Eduardo Nunes, que encerrou Gramado e é, disparado, o melhor filme da competição. Aliás, a curiosidade é saber como se comportará o júri da Première. Já se fazem apostas, e muita gente arrisca que está havendo uma contradição em termos. Nem Roberto Farias, que preside o júri, nem Adriana Falcão, Aluizio Abranches, Pandora da Cunha Teles ou Vanessa Regone têm exatamente o perfil para apreciar esse cinema de autor que, muitas vezes, dá a impressão de se repetir. Willem Dafoe e a mulher, Giada Colagrande, assistiram ao filme de Karim Aïnouz. Numa breve declaração, cercada de paparazzi no fim da sessão, a autora de A Woman mal teve tempo de dizer que gostou, antes de ser carregada pela multidão. O festival, entre as suas 18 seções, tem uma que põe o foco na Itália. Por mais que a Première de 2011 esteja decepcionando - os curtas viraram os pesadelos da noite -, existem muitos filmes excepcionais nas várias seções (pudera! entre 350 títulos), mas a Itália, mesmo assim, está levando as honras. O melhor filme é Terraferma, de Emanuele Crialese. O mais bizarro dificilmente deixará de ser Finisterrae, de Sergio Caballero, mas aí o autor é espanhol, e catalão. O filme integra a mostra Midnight. O cinema, seguindo a tradição de Collodi, já contou a história de muitos bonecos, robôs, etc., que querem ser meninos. Caballero inventou dois fantasmas que querem ser humanos. Para isso, precisam atravessar o Caminho de Santiago, até Finisterrae. O título participa do estranhamento. Finisterrae designa o lugar que não tem começo nem fim - a velha, na fala rosiana do final de Girimunho, de Helvécio Marins Jr. e Clarissa Campolina, diz a mesma coisa, que a gente, a vida, não tem começo nem fim. O filme de Caballero é genial, ou um nonsense total. Uma coisa não exclui a outra e o público morre de rir vendo os dois fantasmas, um a cavalo, que atravessam prados e florestas, seguidos por uma repelente 'criatura do submundo'. O cavalo, ora é de verdade ora é mecânico, com a cabeça que gira sobre si mesma, como a de Regan em O Exorcista, de William Friedkin. O fantasma pede uma informação, a mulher aponta direções contraditórias, ele saca da pistola e a mata. Mais adiante, ele beija um sapo, que vira uma linda princesa. Bobagem? Finisterrae foi o grande vencedor do Festival de Roterdã, prova de que toda essa bizarrice termina fazendo sentido, mas, claro, isso estará no olho de quem vê. Ontem, desembarcou aqui um mestre do bizarro, Dario Argento, que será homenageado com uma retrospectiva. No início de sua carreira, por seus policiais, ele era chamado de 'Alfred Hitchcock italiano'. Depois, Argento foi ficando cada vez mais original - e fantástico. Seu cinema privilegia a fantasia, o horror - e, ultimamente, as novas tecnologias. Será intrigante conversar com o 'maestro', o que deveria ocorrer ontem à tarde.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.