Banda À Deriva lança seu 3º disco com shows em SP

PUBLICIDADE

Por Roger Marzochi
Atualização:

Conversar olhando nos olhos do interlocutor é essencial, não apenas por respeito, mas também porque é assim que é possível entrar em sintonia, para além do que as palavras a princípio expressariam. Talvez essa seja uma forma de explicar "Suíte do Náufrago", o terceiro disco da banda "À Deriva", que será lançado com shows nos dias 17 e 18 de julho, na Sala Crisantempo, em São Paulo. Nesse último trabalho, o quarteto, formado por Daniel Müller (piano e escaleta), Beto Sporleder (sax tenor), Guilherme Marques (bateria) e Rui Barossi (contrabaixo acústico), consegue entrelaçar histórias extremamente profundas, cujos valores vão além das imagens que os sons sugerem.É também o ápice da proposta que uniu esses músicos há seis anos, quando decidiram se lançar num estilo musical considerado de alto risco, que genericamente pode ter o rótulo de música instrumental contemporânea, e igualmente de forma genérica apontar as influências do jazz europeu entre os músicos da banda. O que se pode notar é a diferenciação do som da banda em relação ao jazz tradicional, no qual há a execução de um tema musical e uma divisão, muitas vezes clara, sobre o momento em que cada instrumentista pode improvisar. Nesse modelo, tirando o solo, o baterista e o contrabaixista fazem a "cozinha" para os solistas.Já os músicos da banda vivem no limiar entre a improvisação completamente livre - na qual a regra é não existir regra alguma - e a improvisação direcionada - com indicações de acordes, modos, ritmos, mas que nunca representarão uma ordem estabelecida. "O jazz tradicional tem o foco na improvisação de uma pessoa específica, ora o saxofonista, depois o baixista, etc. A gente tem um caráter de improvisação mais aberto. Mesmo o ''acompanhante'' está conversando junto com o cara que está improvisando. Não é como no jazz tradicional, que tem um cara que manda no negócio", diz o baterista Guilherme.E, nesse disco, o grupo radicalizou. A "Suíte do Náufrago" é a única música do trabalho, com 38 minutos e 17 segundos, numa história subdividida em sete movimentos: Solidão; Embarque; Jornada / Tempestade I; Solidão II / deriva; Calmaria; Tempestade II; Encontro. "Estava a fim de fazer uma suíte, e o grande desafio é achar o fio condutor. Imaginei uma história, uma narrativa mesmo, e outras coisas foram se encaixando", diz Beto, indicado como o compositor da obra, mas que defende, sem falsa modéstia, que a criação é coletiva.Isso porque ele apresentou a ideia aos músicos da banda com umas três páginas de partitura com apenas indicações de acordes e 12 linhas, no máximo, de música escrita mesmo. "Foi uma tentativa de radicalizar essa busca de construir coletivamente", diz Daniel. "E a duração de cada acorde é livre. Quando vamos mudar de um para outro é uma decisão coletiva e intangível. É quando a gente sente que a coisa vai acontecer."Guilherme lembra que, em muitos momentos em que há um compasso, ele se diluiu. "Não estamos pensando em manter métrica perfeita. De acordo com o que está rolando, estendemos ou comprimimos o compasso." Mas, para Daniel, a questão é ainda mais radical. "Não tem uma fórmula de compasso. Não temos a necessidade de manter um pulso rítmico regular, o que é exigência na música ocidental. Temos uma concepção mais elástica do tempo."Portanto, a música que será apresentada no lançamento do disco e em outros shows será muito diversa da gravada no disco. Mas também não chega a ser improvisação completamente livre. "Teve músico adepto da improvisação livre que já viu nosso show e odiou", diz Beto. "Há coisas que tangem a técnica. Se tem algo predefinido, tem como estudar. Se você não sabe o que vai acontecer, está sujeito a dar errado. A música é de risco, inclusive, tecnicamente, se você não sabe o que vai acontecer", diz Rui. E para o baterista, esse é exatamente o grande desafio: evitar que se corra o risco de tocar o que já ficou marcado na mente em gravações e ensaios. "Deixar de ensaiar é uma opção clara para fazer que as coisas sejam mais espontâneas", afirma Guilherme.Mas o que fazer para que a música tenha expressividade, emocione quem a escuta? Toda terça-feira, o grupo se reúne o dia inteiro na casa do pianista para ensaiar outras músicas a fim de estimular a espontaneidade, treinar a sintonia e, em alguns momentos, apenas conversar sobre outros assuntos ou cozinhar. "Toda terça é aberta, como as partituras", diz o saxofonista. "A ideia dessa música me veio pensando nessas pessoas do grupo, e o resultado tem a ver com a nossa relação. Isso volta à questão dos ensaios. Quantas vezes a gente ia tocar e percebia que um ou outro não estava a fim. Vamos então ouvir música, conversar, fazer outra coisa. Muitas vezes é mais produtivo."Lançamento do disco "Suíte do Náufrago" - Sala Crisantempo, Rua Fidalga, 521, Vila Madalena. Dia 17 de julho às 21h; dia 18 de julho às 19h. R$ 20 inteira e R$ 10 meia entrada. Paga meia entrada também quem enviar o nome para o e-mail: contato@musicaaderiva.com.br.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.