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Aprendi no YouTube

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Por Vanessa Barbara
Atualização:

Como todos sabem, tive uma educação clássica, quase vitoriana. Cresci em um ambiente sóbrio que valorizava manifestações culturais de alto nível como hinos de times de futebol e músicas do Biquíni Cavadão, além de me cercar de amigos doutos que conseguiam soprar bolhinhas de saliva e encostar a língua no nariz. Ao longo da vida, dediquei-me a adquirir habilidades sólidas, como manusear um mimeógrafo, tirar água do ouvido e assar uma batata na terra. Me arrisco a dizer que essa educação autodidata e comprometida com os grandes temas do engrandecimento humano se estende até hoje; quando não sei alguma coisa, vou ao Google. Em questões práticas, consulto o YouTube.  É possível aprender todo tipo de ofício navegando no site e assistindo a vídeos de diversas naturezas, desde os francamente amadores às superproduções hollywoodianas. Outro dia, descobri o tutorial de um pomposo veterinário português ensinando uma técnica para dar comprimidos a cães, no caso um garboso pastor alemão. Já um completo anônimo me mostrou, em um vídeo de produção duvidosa, como dar remédio em gotas a animais em recuperação. Também aprendi a apalpar tartarugas aquáticas para ver se estão com ovos, fazer uma cópia de chave usando um cartão de plástico, consertar o trackpad de um notebook, pronunciar Eyjafjallajökull, utilizar um coletor menstrual, dobrar lençóis de elástico, tirar pelos de um tapete, manipular faixas de áudio no Final Cut Express e consertar um zíper que saiu do trilho. (Só não tentei ainda cuspir fogo usando maisena. Aguardem as próximas crônicas.) Uma das coisas mais dignas que se pode fazer com a ajuda do YouTube é aprender coreografias, como o shim sham, a Macarena, o clipe de Thriller (Michael Jackson) e uma cena de dança do filme Bande à Part, de Jean-Luc Goddard. É por meio de infinitas repetições que decoramos os passos básicos de Tá tranquilo, tá favorável (MC Bin Laden), Shake a Tail Feather (The Blues Brothers), Do You Love Me? (Contours) e a dança sincronizada que a banda OK Go faz nas esteiras ergométricas em Here It Goes Again. A real utilidade? Brilhar muito nas festas de família e puxar assunto na fila do Bilhete Único. Minha mãe também é uma adepta ferrenha da educação pelo YouTube: aprendeu a melhor forma de passar massa corrida na parede, lustrar um fogão, limpar uma impressora, consertar uma bacia de privada, fazer primeiros-socorros em ferimentos, selar um cavalo e limpar um teclado de computador. Aos 6 anos de idade, meu sobrinho já dá mostras de seguir o exemplo familiar: ele aprendeu a abrir uns trinta tipos de Kinder Ovo apenas assistindo a infindáveis e soníferos vídeos de pessoas se dedicando à tarefa. De quebra, aprendemos a fazê-lo cair no sono quando tudo mais falhou.

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