Antissemitismo de Wagner em xeque

Documentário sobre compositor alemão discute a relação dele com o nazismo; na Itália, homenagem causa discórdia

PUBLICIDADE

Por ANDY WEBSTER
Atualização:

No documentário Wagner & Me (Wagner & Eu, em português), o ator Stephen Fry, admirador do músico Richard Wagner (1813-1883), confronta um problema para os fãs de Wagner: Como conciliar o genial compositor com seu racismo.Ao mostrar a criação de obras-primas como Parsifal e o Ciclo do Anel, Fry, um judeu, explora o antissemitismo de Wagner e a cooptação de Hitler com a música do artista durante o Terceiro Reich. No processo, ele oscila entre o êxtase estético e a repulsa moral.O filme foi exibido no festival anual sobre Wagner, em Bayreuth, Alemanha, um evento tão popular que as reservas são feitas com sete anos de antecedência. Fry assiste aos ensaios de uma montagem do Ciclo do Anel, fala com uma bisneta do compositor e reconta a origem do Festspielhaus, o teatro construído a pedido do rei Luís II (1845-1886) para as óperas de Wagner."Antes de me sentar no meu lugar no festival, preciso ter certeza de que estou fazendo a coisa certa", diz Fry, que segue os passos do compositor no lago Lucerna e em Villa Wesendock (onde ele assiste à apresentação de Traume), em Zurique, ambos na Suíça, e no Teatro Mariinsky, em São Petersburgo, Rússia. O diretor, Patrick McGrady, alterna entrevistas e passagens biográficas com sequências de música lírica.Wagner imaginou um público de ópera sem distinção de classes e com o desejo utópico de combinar disciplinas em um trabalho artístico, chamado pelos alemães de Gesamtkunstwerk (ópera que conjuga música, teatro, canto, dança e artes plásticas). O idealismo do músico contrasta com seu preconceito, que se manifestou em 1850, quando ele escreveu Judaísmo na Música, que classificou os judeus como incapazes de se adequar à forma artística. Como explicação (e não como remissão), Fry cita o ressentimento de Wagner com compositores judeus, como Mendelssohn e Meyerbeer, contemporâneos do artista e bem-sucedidos àquela época.Entretanto, Chris Walton, um especialista sobre a obra de Wagner, sugere que pelo fato de "o compositor ter sido um pouco antissemita, não significa que a música dele não seja tão suprema como ele é". Hitler - que tinha uma relação com os parentes de Wagner e que se tornou um patrono de Bayreuth - teria o costume de assoviar as notas de Die Meistersinger para seus convidados."Temo que Hitler e que o nazismo tenham sujado a imagem de Wagner", avalia Walton, tentando minimizar. "Para algumas pessoas, isso mancha todo o trabalho. Para outras, é apenas algo que é preciso encarar", analisa.Temporada. O teatro La Scala de Milão, na Itália, abriu, anteontem, a temporada de óperas 2012-2013 com o clássico germânico Lohengrin, com gancho na comemoração do bicentenário de Wagner e do italiano Giuseppe Verdi (1813-1901). Daniel Barenboim, diretor musical do La Scala e conhecedor da obra de Wagner, regeu a sessão de gala, um dos primeiros eventos do calendário cultural europeu. A apresentação estava programada para ser exibida ao vivo para 600 salas de cinema ao redor do planeta, além de redes italianas de rádio e de TV. Telões foram instalados nas ruas para que os moradores de Milão pudessem acompanhar. O teatro foi criticado por abrir uma temporada em homenagem a Verdi, que chamava o La Scala de casa com uma ópera de Wagner.Até o presidente italiano Giorgio Napolitano entrou na confusão depois de a mídia local ter especulado que ele não iria ao espetáculo em protesto contra a homenagem a Wagner. Ele afirmou que a polêmica foi "fútil e patética". O político justificou a ausência dizendo que tinha compromissos em Roma.O La Scala incluiu sete montagens de Verdi e seis de Wagner na programação deste ano para marcar o bicentenário dos artistas. A primeira apresentação dedicada a Verdi será no dia 15 de janeiro com Falstaff. Talvez prevendo a hostilidade a Wagner, a direção do teatro já anunciou uma sessão de gala de La Traviata para a temporada 2013- 2014,sob a batuta de Daniele Gatti.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.