Abraham Palatnik ganha mostra panorâmica em São Paulo

Pioneiro da arte tecnológica no Brasil, o artista expõe trabalhos na galeria Nara Roesler

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Por CAMILA MOLINA - O Estado de S.Paulo
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Abraham Palatnik, de 84 anos, diz que sua memória já está ficando mais rala, mas ele lembra a importância que o curso de mecânica de motores que realizou em Tel- Aviv, nos anos 1940, teve na formação desse artista considerado um pioneiro da arte tecnológica no Brasil. Palatnik sempre teve destreza única para máquinas, característica primordial para um revolucionário inventor de obras em diálogo com o pensamento pictórico. "Lá (em Tel-Aviv), me deixaram em uma bancada, ao ar livre, onde tinha que desmontar e limpar carburadores e outras peças. Meus colegas se embaralhavam, era uma catástrofe, mas eu fazia aquilo com tanta velocidade, que um oficial percebeu e me chamou para almoçar com os oficiais ", rememora o artista. "Sei que foi muito bom eu ter ido para essa ocupação, porque comecei a desenvolver e ver que eu tinha uma habilidade potencial para fazer coisas com precisão." Não apenas o crítico Mário Pedrosa identificou desde muito cedo, nos anos 1950, que as obras de Palatnik tinham uma vertente revolucionária. A mostra que a Galeria Nara Roesler acaba de inaugurar com suas criações e invenções é, agora, uma oportunidade de se ter uma panorâmica de toda a trajetória do artista. Com curadoria de Frederico Morais, a exposição também apresenta obras inéditas de Palatnik, criadas em 2012. Mais "quieto", como o próprio artista se define, ele se dedica em seu ateliê-casa, no Rio, à realização de pinturas feitas pela projeção de ondas de cores em composição com ripas de madeira enfileiradas e pintadas. Filho de judeus, Palatnik nasceu em Natal, Rio Grande do Norte, mas sua formação foi realizada em Israel, que naquela época era considerada Palestina. Seu pai, que trouxe a família da Ucrânia, foi um homem emprendedor no Nordeste e Palatnik lembra com muito afeto de sua história. O artista mesmo sempre foi inventor único e já na 1.ª Bienal de São Paulo, em 1951, exibiu Azul e Roxo em Primeiro Movimento, obra de uma das séries mais emblemáticas de sua carreira, a dos Aparelhos Cinecromáticos, máquinas criadas com centenas de metros de fios elétricos, lâmpadas e cilindros que fazem as cores se movimentar de uma maneira leve à nossa frente. Frederico Morais afirma que mesmo que as pessoas não entendessem aquela invenção, eram tomados por seu caráter "sedutor". A mostra na Galeria Nara Roesler exibe um Aparelho Cinecromático - até 1983, como escreve o crítico e curador da exposição, Palatnik criou 33 dessas máquinas, expostas em sete edições da Bienal de São Paulo e nas Bienais de Veneza e de Córdoba. O artista até mesmo conta uma história engraçada sobre seu invento: certa vez, no Rio, vizinhos chamaram a polícia porque Palatnik ficava enfurnado numa garagem criando sabe-se lá o quê. O artista criou um Aparelho Cinecromático tão gigantesco, que foi necessário destruir as paredes do local para que a obra pudesse sair. Palatnik ri, mas sempre conta passagens de sua carreira com naturalidade. "Em algum texto, Mário Pedrosa escreveu: 'Os artistas revolucionários de nossos dias serão inventores, ou não o serão, mas inventores como os arcaicos, que, locados da ingenuidade das crianças, criam, destruindo seus brinquedos, e nutridos de pura imaginação, de si mesmos se esquecem, à eterna procura da pedra filosofal, nos equívocos alambiques onde ciência e magia hoje se confundem", afirma Frederico Morais. É verdade que, hoje, as pinturas ou relevos progressivos, que Palatnik cria com ripas de madeira ou papel cartonado, têm sido uma recorrência maior nas exposições do artista e expressam uma questão fundamental para Palatnik, a da ordenação. "Minha função como artista é disciplinar o caos em nível da informação. As informações no universo estão geralmente ocultas, disfarçadas em meio à desordem. É necessário um mecanismo de percepção e da intuição para que estas se manifestem", afirmou o artista, em 1981, em entrevista a Morais. Entretanto, seus Objetos Cinéticos, feitos com fórmica, ímãs e motores que giram pequenas peças coloridas, são tão emblemáticos de sua arte que não poderiam faltar em uma mostra panorâmica. Eles também, estão na galeria, dialogam com as criações pictóricas bidimensionais.

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