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A vez de Zuck

O modelo de negócio do Facebook é indissociável do estrago que a empresa causa

Por Lúcia Guimarães
Atualização:

As paródias têm sido brutais. No último episódio do programa Saturday Night Live, o comediante fazendo o papel de Mark Zuckerberg parecia um ET – “começar contato de olhos, 3,2,1” ele murmura ao ser entrevistado. “Ao contrário da minha expressão facial, o Facebook promete mudar”, diz e explode numa risada artificial e nervosa. 

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Amanhã começa a ofensiva de charme do bilionário que não convenceria contando uma piada se sua vida dependesse disso. O fundador do Facebook e mais poderoso empresário de mídia do planeta, apesar de negar que comanda uma empresa de mídia, vai enfrentar primeiro a artilharia de uma comissão do Senado e, na quinta-feira, deve ser sabatinado por deputados sobre a exposição da privacidade de dezenas de milhões de usuários de sua plataforma.

Zuck vai se mostrar contrito e se desculpar. Pela enésima vez. Quando é o momento do basta? Apelos por sua renúncia ecoaram na semana passada. Zuck nem quer discutir o assunto. O Facebook tem conserto?

Há dois andares nesta discussão. Um é ocupado por gente como esta colunista, que vive numa metrópole, se beneficia de internet tão rápida que causaria vertigem a funcionários da Oi e da Claro e tem vasto acesso a informação. No andar de baixo, estão internautas, especialmente em países com redes primitivas, que dependem do Facebook para fazer negócio, se comunicar com a família e para quem as egrégias e consecutivas violações de privacidade perpetradas pela empresa não figuram entre suas principais preocupações.

No centro da controvérsia atual, está a relação do Facebook com a malcheirosa Cambridge Analytica, a empresa de pesquisa eleitoral financiada por um bilionário trumpista que “não atendeu” ao pedido do Facebook de apagar (e enviou para a Rússia?) perfis de 87 milhões de usuários da plataforma. Se eu sou uma deputada ou senadora, perguntaria ao Zuck: Por que você esperou oito meses para checar se os dados dos internautas tinham sido apagados? Quem sabia e quando? Abuso de dados antes inspirou alguma diretriz na sua empresa?

Mas tudo isso é maquiagem. Há quem defenda a quebra do nefasto monopólio do Facebook. Simples assim. Se a empresa tem uma história de negação e resistência a ser monitorada em questões que, hoje compreendemos, afetam a democracia constitucional mais antiga do mundo, sem contar outras sociedades lutando por democracia, qual o remendo satisfatório?

O modelo de negócio do Facebook, que depende da garimpagem da nossa privacidade, é indissociável do estrago que a empresa causa. Todas as platitudes sobre unir o planeta, aumentar a conectividade, promover democracia no Egito (sabemos como esta história acabou) mascaravam a ambição de crescer a qualquer preço e uma cegueira prodigiosa sobre as consequências do alcance planetário.

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No caminho, empresas jornalísticas se prostraram para ser descartadas anos depois, a indústria de publicidade foi dizimada – sim, o Google veio primeiro – e a sua vida não apresenta nenhum progresso. Seu primo insiste que você aprove o bolo de chocolate que ele aprendeu a assar e seu tio extremista quer que você mude de partido ou nunca mais apareça no jantar de Natal. Frequentar o Facebook, às vezes, é como aturar o casamento de um parente distante em que os convidados bêbados testam ao máximo sua civilidade.

Como diz o professor de Direito Tim Wu, o Facebook é uma máquina de espionagem privada e não há como esperar sua redenção. Ele defende a criação de uma nova rede. Se aprendemos alguma coisa na última década, ele escreveu, no New York Times, é que o modelo de coleta de dados para publicidade é incompatível como uma rede social na qual podemos confiar. Não há resolução para este conflito.

Cada usuário do Facebook rende à empresa somas diferentes, dependendo da região em que vive. Entre os dois bilhões de usuários, quantos estariam dispostos a pagar, digamos, o equivalente a R$ 120 por ano para usar uma plataforma livre de publicidade, invasão da hackers russos e espionagem?

E se esta plataforma fosse um empreendimento sem fins lucrativos? Navegar é preciso, curtir não é preciso.

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