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A poesia cantada de Caetano Veloso

Organizado pelo professor de Literatura Eucanaã Ferraz, o livro Letra Só reúne 186 letras do compositor

Por Agencia Estado
Atualização:

Serve para quem gosta de cantar as músicas de Caetano Veloso. Serve para quem gosta de discutir se letra de música e poesia são coisas diferentes. Há quem diga que sim - a maioria acha que letra de música é uma coisa, poesia é outra. Coisa que parece proceder. Afinal, a letra de música obedece aos parâmetros determinados pela música. Normalmente, a melodia é feita primeiro e poeta escreve os versos depois. Raros são os letristas que oferecem versos prontos para os compositores (Sueli Costa só faz música se já houver a letra). Falamos de Letra Só, de Caetano Veloso, volume de 342 páginas organizado pelo professor de Literatura Eucanaã Ferraz. Ele selecionou, em 17 blocos temáticos, 186 letras do compositor. Nenhum comentário sobre elas: apenas as letras. Um estudo introdutório explica a intenção de Eucanaã: apartar versos e melodias para poder observar o escritor à distância do compositor. Se for possível. Porque letra de música está grudada à melodia. Ainda mais no caso de um autor que escreve tanto as letras quanto as melodias da quase totalidade da obra. Letra Só é vendido em conjunto com outro livro, Sobre as Letras, também organizado por Eucanaã Ferraz, com nota introdutória dele e belíssimas fotos. Na primeira página, reprodução do manuscrito original da letra da canção Livros. Este volume é menor. Tem 80 páginas. Traz comentários de Caetano sobre 54 músicas. Como fez, para quem, por que fez. Elucida alusões, corrige interpretações equivocadas. É um livro curioso. O conjunto, editado pela Companhia das Letras, vem embalado em capa de plástico transparente e o preço sugerido pela editora é de R$ 55,00. É bom pesquisar antes de comprar. Os magazines culturais costumam oferecer preços mais baixos. "A seleção revelou muita coisa interessante da dicção dessas palavras escritas para serem cantadas que eu não perceberia de outra forma", confessa Caetano Veloso. "Senti que as letras, apresentadas na condição de poemas, mostraram virtudes que eu não desconfiava que possuíssem e fiquei surpreso com valores que eu não observava." Eucanaã Ferraz toma o cuidado de não chamar as letras de poemas e não chamar Caetano de poeta. "Ele faz as letras para a música", observa. "Mas há, na transposição para um papel, um deslocamento formidável, como o que em Cinema Falado assegurava a impureza do cinema; aqui, o poema cantado, observado distante da melodia, mostra-se em outra dimensão. E é surpreendente como, mesmo para quem conhece bem as melodias, ao ler as letras fora dos encartes dos discos percebe outros valores. É como se o tempo todo essas letras estivessem nos enganando, fingindo não ser poemas. A reunião em livro dá numa forma de vida nova para os escritos." Mas, afinal, letra de música é poesia ou não? Eucanaã acha que a discussão, dada a peculiaridade da produção cultural brasileira, é, sim, pertinente, e que o livro vai trazer o tema de novo à baila. Caetano, que em março lança um disco cantando músicas americanas ("clássicos e barrocos", brinca, sobre o repertório), responde citando Tom Jobim. Quando perguntavam ao maestro se havia diferença entre música erudita e música popular. Tom respondia: "Eu não faço diferença, mas existe."

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