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Coluna semanal do historiador Leandro Karnal, com crônicas e textos sobre ética, religião, comportamento e atualidades

Opinião|A mãe dele e a minha

Elas nunca estiveram tão na moda como entre terapeutas, psicólogos, psicanalistas...

Atualização:

Você já ouviu falar dos discípulos diretos de Sigmund Freud: Jung, Reich ou outros. Talvez tenha sido informado da obra de Anna Freud, sua filha. Existe uma chance de seu olhar ter sido capturado pelas inquietantes imagens de Lucian Freud, seu neto. Seus discípulos indiretos, como Lacan, são quase tema jornalístico. Mas, e de Amalia Nathansohn (1835-1930), a mãe de Freud? 

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O vasto campo do conhecimento humano que tem Sigmund Freud como um dos pilares, a psicanálise, trouxe a figura da mãe para o centro do debate. Desde Nossa Senhora, nunca as mães estiveram tão na moda como entre profissionais terapeutas, psicólogos, psicanalistas e psiquiatras. Aliás, creio que não existiria o divã sem as mães. Qual parcela da conversa do paciente com o profissional é focada na genitora? Creio que seja maior do que as preocupações com o governo Temer ou com a taxa cambial. Édipo-filho fala mais do que Édipo-rei. A microfísica do poder familiar, cujo nó de Górdio está na mãe, é o sol em torno do qual nossos planetas desequilibrados orbitam. Volto ao eixo central: se a mãe é muito ou quase tudo na teoria freudiana, não seria interessante pesquisar mais a vida de Amalia? Ela era a terceira esposa do pai de Freud e foi descrita por todos como de temperamento forte (geralmente um eufemismo para dizer: pessoa difícil). Morreu aos 95 anos. 

Hipótese ousada: seria o nosso Sigmund um indivíduo com obsessão pela mãe? Para diminuir suas muitas angústias e dores, ele teria universalizado uma experiência privada de modo a diminuir a especificidade da sua biografia? Freud era um gênio e sua prosa científico-literária é brilhante. Ele seria capaz de enredar o Ocidente todo na tessitura da sua tragédia individual? Teria o Dr. Sigmund usado seu vasto campo teórico para compreender sua própria dor? Freud era judeu do centro da Europa. As mães judias possuem fama universal de preocupadas com sua prole. Conhecendo muitas e também de outras ascendências, confirmo que as judias são muito cuidadosas, mas não muito mais do que as italianas ou brasileiras. Variam a língua e a cultura, permanece o foco. A maternidade implica certo grau de liberdade em relação ao pensamento cartesiano. Mães inteiramente racionais não seriam mães. 

Aumentemos nossa teoria conspiratória. A mãe mais famosa do Ocidente é outra mãe judia: Maria. Seriam estas duas mães, Nossa Senhora e Amalia, a origem de toda nossa questão edípica? Além da Bíblia, de parte da ética e do monoteísmo, teria a cultura judaica contribuído com duas mães que mudaram o destino do mundo? 

Freud era um homem de 58 anos quando se oficializou a comemoração do Dia das Mães, em 1914, nos Estados Unidos. Aliás. Ele nasceu em 6 de maio, perto do que se consagraria entre nós como a festa das matriarcas: o segundo domingo deste mês. 

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O amor de Maria pelo Menino Jesus colaborou para criar a própria ideia de maternidade na Europa. Élisabeth Badinter (1944) sustenta que o amor de mães por filhos é recente e uma invenção histórica (livro de 1980, L’Amour en Plus, entre nós chamado Um Amor Conquistado: O Mito do Amor Materno).

Há muitos argumentos históricos para embasar a posição da pesquisadora francesa. Talvez o amor materno seja mesmo um fato do mundo moderno e que cresceu a partir do século 19. Suas raízes estariam nas imagens da Madona, no texto do Emílio, de Rousseau, no esforço das igrejas e em pinturas como a de Madame Vigée-Le Brun. É um esforço que trouxe à tona tanto a invenção da criança como a definição da mãe.

O processo é vitorioso. As mães amam seus filhos e por eles dão a vida. A família está em alta, como notou Luc Ferry (Famílias, Amo Vocês): no Ocidente, morrer pela família tornou-se a única causa mortis considerada nobre. 

A mãe de Freud, a mãe de Jesus, a mãe de Élisabeth Badinter: muitas e variadas mães assombrando nossa convicção do amor materno como incondicional. O historiador não pode ignorar os muitos fatos que produziram o que chamamos hoje de maternidade. O filho ignora, emociona-se, pede à razão que vá dar uma volta e está preparado para almoçar com dona Jacyr hoje. Afinal, se inventado, este amor existe e partilho dele.

O primeiro sentimento de toda a humanidade foi chorar por ter sido separada de sua mãe. Passaremos a vida longe do útero, lutando para igualar uma felicidade inconsciente e universal, plena e onírica da vida dentro do ventre materno. Nada suprirá esse vazio. Um dos codinomes do demônio no Nordeste do Brasil é “filho de chocadeira”: por não ter tido mãe, ele não compreende o amor. 

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Feliz Dia das Mães a todas as notáveis mulheres brasileiras que possuem filhos ou que protegeram crianças e as tomaram por suas. Feliz Dia das Mães, todas elas: as casadas, as separadas, as solteiras, as lésbicas, as mães do poliamor, as religiosas que cuidam da creche e do orfanato e a todas as mães em todas as formas. Feliz Dia das Mães para a minha e para as outras que não tiveram um filho seu e cuidaram de muitos filhos de outras. Obrigado por vocês existirem. Somos espectadores de uma cena de amor que nos comove há tempos. Bom domingo a todas vocês.

Opinião por Leandro Karnal
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