Ele só chegou em casa na quinta-feira. Bermuda suja, camiseta de um bloco da Bahia. Quando ia começar a falar, a mulher levantou a mão e disse:
– Espera. Vou chamar as crianças.
As “crianças”, na verdade tinham 18 e 17 anos. Olharam o pai com curiosidade.
– Onde você andou, papai?
– Eu...
A mulher o deteve outra vez. Foi chamar os vizinhos. Só quando já tinha uma dúzia de pessoas dentro da sala, incluindo o seu Euclides do andar de baixo, ele pode começar a falar. Mas estranhou a cara da mulher. Não era a cara de uma mulher indignada com um marido que desaparecera de casa na sexta-feira antes do carnaval e só voltara na quinta, de bermuda suja e camiseta do “Muqueca com farofa”. Ela estava sorrindo. Ela estava olhando para ele com carinho.
*
– Que cara é essa, mulher?
– Você não existe, sabia?
– Como, não existo?
– Você é uma anedota antiga. Marido que foge no carnaval e volta com uma explicação ridícula. Isso é pura nostalgia. Só você, mesmo...
– Deixa ele dar a explicação, mãe.
Ele hesitou. Depois contou que tinha sido sequestrado por alienígenas e, quando vira, estava atrás de um trio elétrico em Salvador. Fora trazido de volta pelos mesmos alienígenas.
*
Foi aplaudido. O seu Euclides, do andar de baixo, era o mais emocionado. Aquilo lhe lembrava o seu tempo, quando ele também escapava no carnaval e depois precisava inventar uma desculpa para a patroa. Bons tempos. Não voltavam mais. A não ser assim, como reconstrução histórica, para as crianças.
*
A mulher estava abraçando o marido, dizendo “Vá tomar seu banho, vá”. Ele devia estar cansado, depois de pular todos aqueles dias atrás de um trio elétrico. Sem falar nas viagens de ida e volta, na espaçonave. Só ele mesmo...
Quando arrombaram a porta do banheiro, horas depois, ele tinha saído pela janela. Ainda bem que a nave dos alienígenas ficara por perto. Ele iria pegar no mínimo mais três dias em Salvador, onde, como se sabe, o carnaval nunca acaba.