Foto do(a) blog

Luzes da cidade

A conta chega depois

PUBLICIDADE

Por Lúcia Guimarães
Atualização:

Antigamente, quando ia visitar amigos no Brasil, toda vez que ia pegar um copo d'água, procurava a talha de barro com filtro de cerâmica instalada na parede. De uns anos para cá, minha busca vã é saudada com um sorriso tolerante. A água é mineral. "Numa garrafa plástica cheia de Bisfenol A", concluo, em silêncio.Nossos novos hábitos de consumo são tipicamente ilustrados pelo abandono do filtro de cerâmica. O velho sistema de filtragem brasileiro foi considerado o mais eficiente do mundo numa pesquisa no ano passado. Mas o utensílio, além de não ter o design favorecido numa cozinha emergente, trai o fato de que a água jorrando das torneiras não é potável. Ou seja, é um sinal de atraso. Na verdade, a garrafa plástica que aumenta a poluição ambiental oferece, não só atraso cognitivo, como maior risco de câncer de mama e de próstata. O Bisfenol A imita o estrogênio, um hormônio que, em doses excessivas ou baixas demais, é responsável por uma lista de prejuízos à saúde, especialmente o desenvolvimento do cérebro e de órgãos no útero e no começo da infância.Esta colunista faz tempestade num copo plástico de água, dirá o leitor. Mas, se ler a edição de março/abril da revista Mother Jones, ele pode também sair correndo atrás de um filtro de cerâmica. E jogar fora todos os vasilhames de plástico que tem na cozinha. E parar de comprar água mineral e refrigerantes em garrafas plásticas.Explico: a repórter Mariah Blake publicou na Mother Jones uma longa reportagem sobre novos estudos que estendem a vários tipos de plásticos, não só os que contêm o Bisfenol A, os riscos à saúde. Um só estudo feito por um biólogo da Universidade do Texas examinou 455 tipos de plástico comercializados nos Estados Unidos e a maioria exibia "atividade de estrogênio". Numa reação previsível na história industrial do último meio século, os empresários atingidos investem milhões no esforço de desacreditar os que acusam de alarmistas e sempre encontram o cientista disposto a conduzir um estudo que chegue à conclusão contrária. As táticas do lobby do plástico, escreve Blake, são semelhantes às usadas pela indústria do fumo, a ponto de contratarem os mesmos cientistas. Afinal, um negócio anual de US$ 375 bilhões, só nos Estados Unidos, tem muito a perder.Mas nosso cotidiano é cercado de plástico, dirá o leitor. Nosso cotidiano era cercado de tabaco, não era?O Bisfenol A, ou BPA, explodiu na mídia americana como um vilão em 2008, em parte porque este policarbonato era usado nos plásticos de mamadeiras e chuquinhas. O Brasil baniu o uso do BPA nos produtos infantis, os Estados Unidos também, mas, no ano passado, a FDA, agência americana de controle de drogas e alimentos, declarou o BPA, em pequenas doses, seguro. Depois de ler a reportagem da Mother Jones, não fiquei mais tranquila. Para se ter uma ideia do que está em jogo para o lobby do plástico, foi a própria indústria que estimulou as grandes cadeias de lojas americanas a retirar os produtos infantis com BPA da prateleira, ciente de que o fluxo de más notícias não ia estancar.E estavam certos. No ano que vem, a França vai proibir todos os plásticos com BPA. Na nossa economia globalizada, uma decisão como esta num país do tamanho da França afeta o comércio internacional, já que o BPA é amplamente usado em produtos como o forro plástico em latas de alimentos, sacos herméticos em que embalamos alimentos e nos filtros de PVC que usamos na cozinha. O problema não vai embora como a talha de barro. A China, que reciclava enorme quantidade de garrafas de plástico dos Estados Unidos, deixou de fazê-lo por causa do BPA.Há cerca de mil estudos comprovando o dano do BPA à nossa saúde. Há um número muito menor de estudos milionários financiados pela indústria do plástico que concluíram o contrário. Como explicar? A repórter Blake aponta para uma figura curiosa que atende pelo nome de Charles River Sprague Dawley Rat. É um rato de laboratório que sofreu uma mutação genética responsável por sua tolerância, imaginem, ao estrogênio. De fato, este rato com nome comprido tolera a ingestão de cem vezes mais doses de estrogênio do que uma mulher. Como procurar o risco do BPA e pensar na prevenção do câncer de mama desta forma?"Um veneno mata você", disse à Mother Jones, o professor de biologia Frederick von Saal. "Uma substância química como Bisfenol A reprograma sua células e vai causar a doença que vai matar seus netos."Cada vez que sou obrigada a comprar uma garrafa de água mineral na rua, penso no tempo em que ela passou no sol ou num depósito em alta temperatura, condições ideais para aumentar a liberação do estrogênio, que vai, no futuro, adoecer meus netos. E penso, como era lindo o filtro de cerâmica.Nota da Redação: A IMK Relações Públicas, empresa que presta assessoria de imprensa à Abinam Associação Brasileira da Indústria de Águas Minerais esclareceu que as garrafas de água mineral, no Brasil, não utilizam o policarbonato como matéria-prima e sim a resina PET."As garrafas de água mineral no Brasil são produzidas com a resina polietileno tereftalato ou simplesmente PET. Por volta de 1993, o Pet passou a ser utilizado no país pela indústria de água mineral e refrigerantes, em função da segurança alimentar e das inúmeras vantagens, que vão desde a ausência total de bisfenol A, alta resistência (não quebra), leveza, brilho, propriedades organolépticas, transparência, e acima de tudo, ser 100% reciclável. Em vários países da Europa o Pet também é utilizado para engarrafar cerveja e chope."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.