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Vencedor de Sundance diz não querer exibição no Brasil

Manda Bala!, documentário de Jason Kohn, aborda violência e corrupção no País

Por Agencia Estado
Atualização:

"Esse filme não é para ser exibido no Brasil". É com este aviso nada ortodoxo que começa Manda Bala! (Send a Bullet), documentário dirigido pelo americano Jason Kohn, que venceu o Grande Prêmio do Júri do Festival de Cinema de Sundance, o mais importante festival de cinema independente do mundo, que foi encerrado no domingo em Park City, Utah, EUA. Kohn se recusa a falar com jornalistas brasileiros. E, a julgar pelo aviso, não pretende exibir seu filme no país onde nasceu a idéia de seu filme, que, como antecipou o Estado, já está fazendo barulho por botar o dedo na ferida escancarada da corrupção e da impunidade brasileira. No debate que se seguiu ao filme, o diretor foi questionado por Helvécio Marins Jr, cineasta mineiro e produtor de Acidente, que concorria no festival: Por que, diante da coragem de tratar da corrupção no Brasil, não sobra vontade para exibir este filme no País? ?Porque meu pai mora no Brasil e seria perigoso?, respondeu o diretor americano, que é filho de pai americano e mãe brasileira e fala português fluentemente. Equipe brasileira Além do conteúdo polêmico, Kohn, que tem apenas 23 anos e se mudou para o Brasil durante as filmagens, fez questão de trabalhar com equipe brasileira em seu filme. A diretora de fotografia Heloísa Passos levou por Manda Bala! o Prêmio de Excelência em Cinematografia para Documentários. Os brasileiros que concorreram em Sundance e assistiram ao filme levantam prós e contras Manda Bala!. ?Mesmo diante da justificativa, acho questionável. O filme consegue até criar situações e personagens bem interessantes. Mas começar assim não é nada bom?, declarou Marins, que nesta semana participa do festival de Roterdã com seu curta Trecho. Até ser exibido no festival, Kohn pouco falava de seu filme. As informações oficiais se restringiam a uma breve sinopse. Manda Bala! investiga a corrupção no Brasil, acompanhando três personagens-chave. Um deles é um político que, para lavar bilhões de dólares, abre uma fazenda de fachada. O outro personagem é um empresário que gasta milhões para blindar seus carros. Os depoimentos deste e de outros personagens que já foram seqüestrados revelam como a indústria do seqüestro é um ramo rentável no Brasil. O terceiro, ironicamente, é um cirurgião plástico, que reconstrói orelhas de vítimas de seqüestro. Entrevista no YouTube Em entrevista disponível no site YouTube, o diretor afirma que produziu Manda Bala! com foco principal em um escândalo político e conta histórias de corrupção. Não por acaso, Kohn ensina o beabá da lavagem de dinheiro no Brasil. E o exemplo dado é o caso do ranário (the frog farm) de Jader Barbalho, que foi acusado de desviar US$ 9 milhões da Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), operando um orçamento de R$ 300 mil. "O "crime organizado chegou ao centro do poder" no Brasil. Jader fez o que queria na Sudam. Aprovava o que queria pelo valor que queria", declara o diretor. Em uma outra cena, surge um entrevistado brasileiro, não identificado, que fala em português e diz: "Sempre recebendo propina, sempre recebendo suborno". ?De fato. É um filme chocante. Grotesco. E não só pelo lado político, que é sórdido. Mas também pelas cenas de seqüestro. Mas é real. Kohn conseguiu vídeos caseiros feitos pelos seqüestradores. Há cenas de criança implorando para não ter a orelha decepada?, conta Fellipe Gamarano Barbosa, jovem diretor brasileiro, que concorria no festival com seu curta Beijo de Sal. "É totalmente estúpido decidir fazer um filme como esse, porque é difícil de realizar, difícil de vender", disse Kohn em entrevista ao site do Sundance Festival. "Quando negociamos com pessoas de uma sociedade tão injusta, que se beneficiam do desequilíbrio, é muito difícil contar a história, ninguém quer falar sobre isso. Eu pessoalmente gostaria de ter capacidade de continuar a fazer isso", diz o diretor. ?O Konh conversa com pessoas da fazenda de rãs e chega a entrevistar o Barbalho que, no momento em que é questionado sobre o ranário, levanta-se e vai embora dizendo que ?eles teriam de conversar horas sobre aquele assunto?. É impressionante. E é baseado na impunidade que o Kohn fundamenta seu filme. No fato de que, tanto na corrupção quanto na indústria da violência, os crimes continuam sendo cometidos porque ninguém é punido no Brasil. O Barbalho foi preso e reeleito?, completa Fellipe, que, assim como Kohn, mora e estudou cinema em Nova York. Outro entrevistado, também brasileiro, fala em inglês da violência nos grandes centros urbanos brasileiros. Diz que já teve um sócio e pessoas próximas seqüestradas na cidade de São Paulo. "Uma pessoa é seqüestrada todo dia em São Paulo. A situação está totalmente fora de controle". Trilha desconcertante A trilha sonora do filme também é totalmente brasileira, mas mesmo assim incomodou os diretores brasileiros. Como fundo das cenas que investigam a contradições do País, há Caetano, Mutantes, Tim Maia Racional, Jorge Mautner, Lo Borges, Jorge Ben... ?Mas, no final, o que se sente é que, mesmo ótimas, as músicas não têm nada a ver com o filme, ficam presentes full time... Ele deveria ter pesquisado Racionais, Chico Science e outras coisas mais modernas e que batessem mais com a proposta?, completa Marins. ?Talvez seja uma ironia. O fato de exibir imagens tão grotescas e se ouvir uma música tão maravilhosa de um mesmo país. Mas, assim como a primeira e a última cena, nunca saberemos se ele era um punk kid querendo chocar que acabou fazendo um belo filme ou um diretor sério que queria fazer um filme que conscientizasse?, comenta Gamarano. A tal última cena é a bandeira do Brasil tremulando. ?Eu disse a ele que a primeira cena era sensacionalismo e ele disse que iria cortar. Mas a última ele disse que vai manter porque é para alertar, não só brasileiros, mas estrangeiros, de que o que está escrito ali é, ironicamente, "Ordem e Progresso?, finaliza Gamarano Barbosa.

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