Filme sobre escravidão abre Festival de Brasília aplaudido, mas criticado

'Vazante', de Daniela Thomas, foi acusado de adotar o ponto de vista branco

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

BRASÍLIA - Primeira sessão competitiva do festival e um filme polêmico já pintou na tela do Cine Brasília – Vazante, de Daniela Thomas. Em preto e branco, com sua temática ligada ao tempo da escravidão no Brasil, começou tarde da noite, depois das 23h, mas conseguiu segurar a plateia até o final e foi bastante aplaudido.

Daniela Thomas, diretora de 'Vazante' Foto: Rômulo Juracy

PUBLICIDADE

Na apresentação do longa, Daniela fez um discurso político, mas não de simples protesto. Registrou que a sua geração havia convivido com a ditadura militar e, agora, traços do autoritarismo renasciam, como se estivessem adormecidos e voltassem renovados à superfície do panorama nacional. Referia-se, claro, aos recentes retrocessos no campo moral, como o fechamento da exposição Queermuseu, em Porto Alegre, e a proibição de uma peça de teatro no interior de São Paulo. Sintomas deste “país difícil”, como ela definiu. Um país sujeito a uma força gravitacional que o impede de avançar, quanto mais decolar.

Seu filme, ao remontar à escravidão, prospecta os materiais de construção deste Brasil atrasado, injusto, senhorial, machista e patriarcal. Faz uma espécie de anti-Casa Grande & Senzala cinematográfico, sem os rebuscamentos atenuantes da miscigenação “amorosa”, presentes na obra-prima de Gilberto Freyre.

No entanto, embora aplaudido no cinema, o filme foi massacrado durante o debate. Os negros presentes à sala o acusaram de adotar ponto de vista branco e conformista diante da situação racial brasileira. Daniela disse que, de fato, não quisera em seu projeto adotar o ponto de vista do protagonismo negro e nem poderia fazê-lo. Falava do seu lugar, de mulher branca de classe média, porém simpática à causa negra e crítica do patriarcado escravista, matriz de construção do edifício arcaico chamado Brasil e que perdura praticamente intacto até hoje.

Nem assim as críticas arrefeceram e a diretora mostrou-se disposta a ouvi-las. Chegou a confessar que, diante de tal recepção negativa, talvez hoje não fizesse o filme. Um crítico chegou a aconselhá-la a não lançá-lo.

Fazia tempo que não se via debate tão acirrado em festivais de cinema. Descontados alguns exageros e irracionalidades, o calor das críticas é sintoma saudável de que, sob a aparência da pasmaceira generalizada, setores da sociedade estão vivos e atentos. E prontos para a luta.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.