"Uma Vida em Sete Dias" desperdiça um grande tema

Filme com Angelina Jolie mostra como é difícil para o cinemão tratar de temas densos, como a vida e a morte, sem diluí-los para o consumo fácil

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Por Agencia Estado
Atualização:

Eis, enfim, um filme que vale mais por seus defeitos do que pelas qualidades. Uma Vida em Sete Dias, que estréia hoje, é exemplar como demonstração de quão difícil, para a grande indústria, é lidar com grandes temas que precisam assumir a forma de entretenimento. O tema do filme de Stephen Herek é o maior de todos, depois da (ou com a) existência de Deus. O diretor quer discutir o sentido da vida e, para isso, conta a história de uma repórter de TV que encontra o guru na rua e ele a convence de que vai morrer em sete dias. A partir daí, o tema de Uma Vida em Sete Dias é a angústia do tempo. Angelina Jolie faz a repórter. Está loira. Tem uma relação mal resolvida com seu cinegrafista, interpretado pelo ator e diretor Edward Burns. Os dois transaram, mas ela acha que foi um erro. Não é, claro, pois se você não percebe, na primeira cena, que foram feitos um para o outro na tradição romântica de Hollywood, é porque não sabe nada de cinemão. Angelina está noiva de um astro do beisebol. Não consegue conversar com o cara. Todas as suas questões existenciais - que podem ser resumidas na frase que todo mundo pelo menos uma vez se faz: para que serve a vida, afinal? - têm de ser debatidas com o cinegrafista. Eles transam de novo, ele a leva para conhecer o filho e, numa cena-chave, a repórter aparece muito louca diante das câmeras de TV, liderando grevistas numa coreografia de Satisfaction. É a idéia do filme: todo mundo está aqui na Terra em busca de satisfação. A de Angelina, inicialmente, tem de vir da realização profissional. Ela quer ser uma estrela nacional. Quando isso ocorre, dá a marcha à ré, pois descobre que não é o mais importante. Um grande diretor como Ingmar Bergman fez uma obra-prima, Gritos e Sussurros, para discutir um tema aproximado ao de Uma Vida em Sete Dias. Chegou à conclusão de que a vida, com sua carga de dores e misérias, vale a pena nem que seja por um momento, representado pelo desfecho, quando as três irmãs e a doméstica, que passam pelo filme se dilacerando interna e até externamente, passeiam vestidas de branco num jardim banhado de sol. Angelina também descobre que o importante é viver cada dia como se fosse o último e buscando uma satisfação que seja menos material, mais emocional. É uma reflexão, digamos, correta. Incorreta é a forma como a trata o diretor. O cinemão é baseado num conceito permanente de movimento. Não por acaso, os americanos usam mais movie do que film para designar o filme. Movie tem a mesma raiz de movimento. A heroína está se desintegrando, mas céus e terra têm de passar a todo galope porque o show tem de continuar. A dor vira motivo para situações que querem ser divertidas, a qualquer preço. Você consegue imaginar alguma repórter mandando tudo às favas e cantando Satisfaction como forma de solucionar a guerra com o Iraque? Não é que esses temas não possam ser tratados como comédia. O Monty Python conseguiu, em O Sentido da Vida. O problema é conceitual. O que Stephen Herek faz tem nome. Chama-se diluição, a angústia para ser consumida com pipoca e refrigerante no escurinho do cinema.

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