O clássico que iniciou a guerra dos vulcões
Volta restaurado ‘Stromboli’, início da parceria de Bergman e Rossellini
Em 1948 – há 70 anos –, a sueca Ingrid Bergman era considerada a maior estrela de Hollywood. Recebera o Oscar por À Meia-Luz, enumerava sucessos como Casablanca e certos suspenses do mestre Alfred Hitchcock. Naquele ano, conta a lenda que Bergman assistiu a dois filmes vindos da Itália – Roma Cidade Aberta e Paisà. Representavam um outro cinema, um neorrealismo. Bergman encantou-se e escreveu uma carta ao diretor de ambos, Roberto Rossellini, oferecendo-se para trabalhar incondicionalmente com ele.
O resto é história. Bergman foi filmar na Itália com Rossellini. O primeiro filme, Stromboli, está de volta em cópia restaurada. Seduzida pelo diretor – na vida como na arte –, Bergman abdicou dos códigos de comportamento e moralidade de Hollywood. Abandonou o marido e a filha e foi ser musa de Rossellini. Num período curto, até 1954, fizeram filmes que muitos críticos definem como obras viscerais do cinema moderno.
Europa 51, Viagem na Itália, Joana d’Arc na Fogueira, O Medo. E tudo começou com Stromboli, Terra de Deus. Só um neorrealista como Rossellini para fazer com que Bergman, como ‘Karin’, vá viver com um pescador – de verdade – na ilha do título. Karin carrega um passado comprometedor – ‘horrível”, ela diz. É uma mulher que só consegue se relacionar eroticamente com as pessoas. Incompreendida, vira estranha para todos, incluindo o marido pescador.
'A ilha possui um vulcão, que, como a natureza humana que se recusa a ser reprimida, entra em erupção. Karin resolve ir embora, mas para pegar o barco a motor tem de ir ao outro lado, o que significa subir o monte – e ‘atravessar’ o vulcão. Desesperada, grita – ‘Deus, me ajude.’ O filme vira experiência mística, religiosa. É belíssimo – fotografia em preto e branco de Otelo Martelli, trilha de Renzo Rossellini. Deu origem a uma guerra de vulcões. Rossellini planejava fazer Stromboli com Anna Magnani que, despeitada, fez o ‘seu’ vulcão. Volcano, com direção de William Dieterle.
Stromboli. /Stromboli, Terra di Dio(Itália/1950, 107 min.)Dir. de Roberto Rossellini. Com Ingrid Bergman.
Um novo olhar (de filha) sobre o horror do Holocausto
Nos cartazes promocionais de Árvores Vermelhas, você encontra várias chamadas de críticos estrangeiros dizendo que a diretora Marina Willer conseguiu dar nova dimensão (reinventar?) os filmes sobre o Holocausto.
Em primeira pessoa, ela diz que sempre quis contar a história de seu pai. Alfred Willer é um arquiteto judeu, nascido na antiga Checoslováquia e pertenceu a uma geração que, no intervalo entre as duas grandes guerras, sonhou usar a sua arte para construir um mundo melhor e mais humano. A ascensão do nazismo adiou, mas não destruiu, os sonhos daquela geração.
Muitos amigos e até familiares de Alfred Willer morreram em campos de extermínio. Ele sobreviveu, reconstruiu a vida no Brasil. Erigiu prédios e criou filhos como a cineasta Marina. Ela finalmente logrou fazer o filme que sonhava. Alfred Willer é daltônico. Vê o mundo de outra forma – com outras cores? Há uma metáfora nesse daltonismo, talvez lhe tenha permitido viver, e superar-se. Não é um filme comercial, blockbuster. É intimista, delicado. Um testemunho e uma homenagem. Leonard Cohen, cantando, no desfecho, é de dilacerar. / L.C.M.
Árvores Vermelhas. / Red Trees (Reino Unido-Brasil-EUA/2017, 87 min.)Dir. de Marina Willer;
‘Madame’, uma comédia burguesa em tom de farsa
Luiz Zanin Oricchio
Madame, de Amanda Sthers, é aquele tipo de comédia romântica das que se veem pouco no cinema. Passa por cima de ilusões, é crítica e, de fato, bem engraçada. É a história de um casal de americanos ricos, Anne (Toni Collette) e Bob (Harvey Keitel) que se muda para Paris por uns tempos.
Entre compromissos sociais e passeios pela cidade, a dupla tem de vender um Caravaggio de origem duvidosa para se salvar da ruína, que escondem de todo mundo. A protagonista, no entanto, é Maria (Rossy de Palma), empregada espanhola que entra na trama pela porta da cozinha para assumir o comando da ação na sala de jantar. Rossy, conhecida pelos filmes que fez com Pedro Almodóvar, é de fato uma figuraça.
Engraçada quase o tempo todo, mostra que tem também talento para viver e despertar no próximo outro tipo de emoção. Fato que não passa despercebido a um nobre inglês convidado para um jantar dos parvenus americanos. O filme é diversão despretensiosa, mas que não deixa de registrar o relacionamento dos ricos com as pessoas que os servem.
Madame (França/2017, 90 min.) Dir. de Amanda Sthers. Com Toni Collette, Harvey Keitel, Rossy de Palma.
Magia e ficção científica em produto Disney
Uma Dobra no Tempo é uma ficção científica para toda a família, conforme o cânone imutável da Disney. Dirigida pela californiana Ava DuVernay, conta a história de uma menina, Meg (Storm Reid) em busca do pai desaparecido. Quer situação mais tocante? A jornada de Meg será bastante complicada, pois o homem, um cientista, se perdeu pelo espaço sideral depois de descobrir um novo planeta. Na verdade, perdeu-se no espaço e no tempo, e será preciso uma pirueta dupla nas leis da física para chegar até ele.
Por sorte, a garota conta com a ajuda de entidades benignas, vividas por Oprah Winfrey, Reese Witherspoon e Mindy Kaling. Essa presença introduz o tanto de magia necessário à mistura de fantasia e ciência que está em sua base. Há também as “mensagens”. Mais politicamente correto o filme não poderia ser. Multiético, como hoje é de rigor, adota estilo visual um tanto brega.
A história alude, de certa forma, a um mundo ameaçado pelas trevas que precisa encontrar seu caminho para a luz. Mesmo um produto infantojuvenil poderia elaborar melhor conteúdo e forma. / L.Z.O.
Uma Dobra no Tempo. (EUA/2018, 110 min.)Dir. de Ava DuVernay. Com Storm Reid, Oprah Winfrey, Reese Witherspoon