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Tabajara Ruas filma a História com a paixão de Ford e Sirk em 'Os Senhores da Guerra'

Grandeza de derrotados num épico feito com alma de cinéfilo

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Havia já um filme produzido no Rio Grande do Sul na cidade – As Duas Descendo a Escada, de Fabiano de Souza. A ele veio se somar, na quinta, 15, Os Senhores da Guerra, de Tabajara Ruas. São as duas faces do cinema gaúcho. Souza, bebendo na fonte da nouvelle vague, faz um cinema urbano, contemporâneo, cria de Jean-Luc Godard e Eric Rohmer (com pitadas de Hong Sang-soo). Ruas, dublê de escritor e cineasta, também tem a paixão do cinéfilo, mas é de outra geração.

Faz o cinema épico que, na Porto Alegre do século 21, é chamado, um tanto pejorativamente pela crítica jovem, de ‘cinema de bombacha’. Os Senhores da Guerra baseia-se-se no livro homônimo de José Antônio Severo. Conta a história de dois irmãos, Júlio e Carlos Bozano, colocados em campos opostos das ideias e que se defrontam nos campos de batalha dos movimentos de 1923 e 24. Maragatos contra chimangos. Federalistas contra republicanos. Os conflitos regionais tiveram desdobramentos na história nacional. Como escritor, Tabajara Ruas publicou livros de ambientação moderna, que inspiraram obras cultuadas como o curta O Dia em Que Dorival Encarou a Guarda, de José Pedro Goulart. Como cineasta, cultiva um estilo mais clássico, até como forma de refletir sobre a formação das sociedades e das civilizações. Ruas ama o western, e John Ford. O tema que permeia seu cinema é fordiano – a grandeza dos derrotados. Está em Neto Perde Sua Alma e no documentário sobre Leonel Brizola. Os heróis, interpretados por Rafael Cardoso e André Arteche, são trágicos. Opostos nas ideias, unidos no sentimento e na honra. 

Por mais que ame Ford, Ruas engloba outras tendências em seu cinema de gênero. Os tempos estão mais para a selvageria do filho pródigo de Ford, Sam Peckinpah. Pessoas matam-se por convicções, mas também por interesses. Campeia a traição. Ford, Peckinpah, mas há ainda uma terceira influência sobre a visão de mundo e de cinema de Tabajara Ruas, e é o príncipe do melodrama. Douglas Sirk, cujo ideal era a tragédia grega, em que tudo se passa em família. De Sirk vêm os espelhos, como simulacros da realidade das paixões. Os Senhores da Guerra deveria ser, originalmente, um díptico. Problemas de captação fundiram os dois filmes num só. Em Gramado, 2014, o filme ganhou o prêmio especial do júri, mas críticos reclamaram do excesso de personagens. O relato seria confuso. É muito bem filmado. O problema é o classicismo, que o situa na contracorrente.