Rita Cadillac é a rainha dos detentos

Há quase 20 anos Rita Cadillac se habituou a fazer shows em presídios e receber homenagens dos presos; por isso Babenco fez questão de que participasse de Carandiru

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Por Agencia Estado
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No mundo dos detentos, a ex-chacrete Rita Cadillac reina absoluta. Há quase duas décadas, ela leva alegria aos Carandirus da vida - o que lhe valeu até o título de madrinha dos presidiários, com direito a faixa e tudo mais. E assim como o médico Drauzio Varella dedica a Rita um capítulo inteiro de seu livro Estação Carandiru, o diretor Hector Babenco considerou obrigatória sua participação no filme Carandiru. Nos dois casos, a madrinha é retratada sob seu melhor ângulo, na opinião dos detentos: num palco, rebolando e se insinuando. Na nova produção de Babenco, Rita faz uma participação especial, interpretando a si mesma. E diz ter gostado da experiência. "Eu sou uma atriz muito ruim, sou atriz para brincar", admite a própria, que já testou sua "veia dramática" em quatro pornochanchadas e um filme que considera mais sério, Asa Branca, Um Sonho Brasileiro, de Djalma Limongi Batista. Foi uma espécie de homenagem prestada pelo diretor. "Ele queria que eu aceitasse, dizendo que o Carandiru vai sumir e que o filme vai ficar para o resto da vida", afirma ela. No caso da ex-chacrete, as filmagens do Carandiru não duraram mais do que um dia, entre 8 horas da manhã e 7 da noite. O cenário foi o pavilhão 2 do presídio, que está desativado. Rita comenta que Babenco deu a ela total liberdade para falar e se movimentar. "O Hector queria que eu fosse eu mesma, nada de personagem. Ele me passou o texto, mas pediu para eu falar do meu jeito", conta. Em cena, Rita Cadillac, de 46 anos e vestido transparente, conversa, brinca, dança, rebola, canta e enlouquece a platéia masculina. Tudo aquilo que faz com desenvoltura nos shows. Entre 200 e 300 figurantes - muito convincentes, segundo ela - foram convocados para viver os presos, que a rodeiam e assistem, entusiasmados, à apresentação. Entre eles um ex-presidiário de verdade. "Quando ele soube que eu iria fazer parte do filme, foi para o escritório do Hector pedir para participar da mesma cena, sem ganhar nada em troca. Ele acabou sendo figurante", relata. Rita garante não se incomodar com as apresentações nas cadeias nem sequer em ser reconhecida como madrinha dos presidiários. "Eles me respeitam muito, dentro e fora das prisões." Mas admite que o primeiro contato com o universo penitenciário foi traumático. Era 1983. Seu empresário, com um grupo de pessoas, organizava festas em cadeias e marcou para ela um show no presídio Frei Caneca, no Rio. "Chegando lá, fiquei apavorada; era um ambiente muito pesado e a carga negativa me fez mal; me neguei a fazer a apresentação." Dois anos depois, veio novo convite, desta vez da direção do Carandiru, em São Paulo. "Quando entrei lá, já fiquei chocada porque vi um conhecido meu preso. Mas fui muito bem tratada", lembra-se. As performances da diva ocorriam no antigo cinema do presídio. "No ano seguinte, fui chamada no Dia das Mães, na Páscoa, e então surgiu a proposta de participar das palestras." Em 1986, Drauzio Varella e Rita Cadillac iniciaram uma parceria para orientar e conscientizar os presos sobre prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e drogas. Enquanto Varella usava os conhecimentos em medicina, Rita falava a mesma língua deles. "Trabalhar com o doutor Drauzio foi muito bom, ele é competente e se tornou uma pessoa amiga", comenta. "Toda vez que tinha uma palestra, ele conversava comigo antes, me explicava tudo o que iria falar." Ela recorda que um dia recebeu o consolo do médico, quando se deparou com cantor Lindomar Castilho, condenado pelo assassinato da mulher. "Drauzio me explicou que eles são bandidos porque querem." A ex-chacrete não acredita na prometida desativação do Carandiru e diz que tudo não passa de um jogo político. "É possível que se faça uma pintura, se tampe um buraco, mas depois vão colocar todos os detentos de volta", afirma ela. "Falaram que o Carandiru seria demolido em março e vieram com a desculpa de que não há lugar para colocar todos os presos. E vão ter agora?"

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