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Premiado no Festival do Rio, 'Vermelho Russo' segue em cartaz

Embora existisse um roteiro, muita coisa foi improvisada no filme de Martha Nowill e Charly Braun

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Mal passou o feriadão do dia 1.º e Martha Nowill já saiu a campo, em busca de sala para voltar ao cartaz com a peça Flutuante, que apresentou até domingo passado no Teatro Sérgio Cardoso. Seu marido, e assistente de direção no espetáculo, João Wady Cury, colunista do Caderno 2, crava uma frase de efeito – “São Paulo tem muitos grupos e poucos teatros, e isso cria problemas para permanecer em cartaz.” Martha segue nos cinemas, com Vermelho Russo, que lhe valeu o Redentor de roteiro, em parceria com o diretor Charly Braun, no Festival do Rio de 2016.

Flutuante é um texto que Caco Galhardo escreveu especialmente para ela. Martha adorou fazer a peça. O repórter, que assistiu ao espetáculo, não compartilha de tamanho entusiasmo. “Ah, mas você viu no segundo dia, que nunca é um bom dia. O Paulo (Tiefenthaler, que também está no elenco) diz que a gente devia suprimir o segundo dia e passar logo para o terceiro.” Flutuante é sobre uma professora de alemão dividida entre dois homens e que não consegue sair de casa. “Não existem muitos textos leves e inteligentes para mulheres na atualidade. Esse é.”

Martha Nowill e Maria Manoella. Experiência radical Foto: BRUNO ALFANO

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Martha admite que demorou para produzir a peça que a celebra. Quando outras atrizes começaram a correr atrás, ela se mobilizou. O diretor Mauro Baptista Vedia buscava os direitos. Integrou-se. Quando fala nos bons papéis para mulheres, Martha poderia estar se referindo a Vermelho Russo. Dessa vez, a ideia partiu do diretor. “O Charly leu um texto que escrevi na (revista) Piauí, em março de 2009, dando conta de uma viagem que a Maria (Manoella) e eu fizemos à Rússia. Fomos a Moscou porque queríamos estudar interpretação, Chekhov, essas coisas. O texto era um diário. Falava das descobertas, das brigas. E dos montes de vodca que tomamos.”

Charly leu, gostou e jogou a ideia – “Dá filme.” Será? Deu – as feministas de carteirinha adoram. A experiência, sob certos aspectos, foi radical. A equipe, com pouco dinheiro, hospedou-se num abrigo de artistas. “Fazia um frio do cão.” Todo mundo bebeu montes de vodca – mas Martha diz que, na primeira viagem, bebeu muito mais. Embora existisse um roteiro, muita coisa foi improvisada. Na cena da briga das amigas, o diretor até hoje não sabe se estavam brigando de verdade. “Parecia bem real”, comenta. E Martha – “O mais incrível de se trabalhar nesse híbrido (de ficção e documentário) é a reação das pessoas. Elas acham que é documentário o que era ficção e juram que é ficção o que era documentário. Desisti de explicar.”

Martha possui o que se pode chamar de personalidade avassaladora. Conseguiu se destacar no elenco all star de Entre Nós, de Paulo (e Pedro) Morelli, de 2014. Amigos, numa casa isolada – Carolina Dieckmann, Maria Ribeiro, Caio Blat, Paulo Vilhena, Júlio Andrade, etc. Havia um segredo. As cenas de Martha eram as mais intensas. Como atriz, ela possui essa capacidade de se apropriar dos textos, das personagens. Não importa que seja cinema, ou teatro. “Os dois, preferencialmente.” E adora escrever – para atuar. Vermelho Russo é sobre a superação das dificuldades. Idioma, temperatura, comida, sensualidade. É sobre o esforço para se fazer arte no Brasil, tão distante de Moscou.

“Cansei de fazer peça no Brasil quando tem mais gente no palco que na plateia”, a explicação para o professor, sobre o por quê de ir a Moscou, tem algo de desabafo. E aí, lá pela metade do filme, vem o que talvez seja o verdadeiro tema – a amizade, colocada à prova, revela suas fissuras. Quando Maria e Martha brigam, são elas, as personagens, ou uma mistura das duas coisas? No seu diálogo com o teatro, Vermelho Russo tem algo de Tio Vânia em Nova York, grande filme que marcou a despedida de Louis Malle. Também lembra Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola, e pela descontração de Bollywood Dreams, em que três atrizes – amigas – sonham fazer filmes na Índia. “Tem muito de descontração, mas também de desconstrução de expectativas”, reflete o diretor Charly Braun, de Além da Estrada. Seu filme anterior era sobre o encontro de um argentino e uma belga no Uruguai. Charly Braun adora esses personagens ‘desterritorializados’. Esta semana, ele recebeu um e-mail de Fernanda Montenegro, que assistiu a Vermelho Russo numa sessão normal, com público. Fernanda quis cumprimentá-lo pelo filme que achou “arrebatador e emocionante”. Não é pouco.