LONDRES - São quase 30 minutos de ação intensa no começo, mais 45 minutos no final, quando ocorre a batalha dos cinco Exércitos. Mais de 70 minutos, num total de 140, quase a metade. Você vai pensar que não sobra muito tempo no fecho da trilogia que encerra O Hobbit. Tempo para quê? Para interiorizar os personagens, romancear. É ignorar a capacidade de síntese de Peter Jackson, como diretor e corroteirista. Na coletiva do filme, em Londres, Luke Evans, que faz Bard, lembrou que suas primeiras cenas, filmadas há dois anos, eram em cima de telhados, com o arco na mão, disparando suas flechas. As cenas estão no eletrizante começo de O Hobbit – A Batalha dos Cinco Exércitos, que estreia nesta quinta-feira, 11.
O filme estreia em 1037 salas. O protesto é legítimo, dos que consideram excessiva a ocupação do mercado por um só filme, mesmo que A Batalha esteja estreando em um pouco menos das mais de 1300 salas que teve Jogos Vorazes – A Esperança, Parte 1. A diferença, e não é pequena, é que O Hobbit é um filme de autor e uma grande obra de arte, mesmo que a afirmação seja sujeita a controvérsia. E o importante é que Jackson, como explicou Richard Armitage – o Thorin – tem sempre o filme na cabeça. Sabe exatamente onde vai se encaixar cada peça. A pergunta que não queria calar, na coletiva – rodando três filmes simultaneamente, como a continuísta de Peter Jackson não enlouquece? “Nós lhe pagamos o melhor analista”, respondeu o diretor.
Ele conseguiu, de novo. Como George Lucas, que planejava Star Wars como uma saga intergaláctica em nove episódios e começou pela trilogia intermediária – 4, 5 e 6 –, só depois fazendo o 1, 2 e 3, Jackson adaptou O Senhor dos Anéis, só depois se voltando para O Hobbit, embora o segundo, como criação infantojuvenil de fantasia, seja anterior à publicação da obra maior do chamado ‘pai da moderna literatura fantástica’, JRR Tolkien. O fato de O Hobbit ter surgido depois muda tudo. Como a história de Bilbo, na verdade, antecipa a de Frodo, Jackson transformou o relato infantil para manter a unidade. Drama e complexidade narrativa.
Depois de O Senhor dos Anéis e de suas três partes que relatam a odisseia de Frodo para destruir o anel, o diretor volta à Terra-Média para mostrar como outro hobbit, Bilbo, acompanhando os anões que tentam restaurar sua linhagem, descobre o anel entre os tesouros guardados por Smaug em Erebor. A narrativa de O Hobbit, segundo o próprio Tolkien, situa-se em um tempo entre o alvorecer das fadas e o despertar dos homens, 60 anos antes da de O Senhor dos Anéis. Tem ação, romance, tragédia. No cinema, tem tudo isso – e efeitos. É uma data como a primeira sessão do cinematógrafo dos irmãos Lumière, em 28 de dezembro de 1895. Você só tem de escolher entre outubro de 1999 ou dezembro de 2001. O início das filmagens de O Senhor dos Anéis ou a estreia de A Sociedade do Anel.
A reinvenção do cinema. Em maio de 2001, o Festival de Cannes realizara um colóquio para discutir as novas tecnologias e o júri presidido por Luc Besson outorgou a Palma de Ouro a Dançando no Escuro, de Lars Von Trier. Sete meses mais tarde, Peter Jackson foi mais longe do que Von Trier e George Lucas jamais ousaram com suas imagens digitalizadas. Criou o Gollum. Nas pegadas da Sociedade do Anel vieram As Duas Torres e O Retorno do Rei, que recebeu 11 Oscars em 2004. Em dezembro de 2007 – há sete anos –, a New Line Cinema e a Metro anunciaram a produção de um díptico adaptado de O Hobbit. Jackson seria produtor executivo, Guillermo del Toro, o diretor. O segundo desligou-se, Jackson acumulou a direção, decidiu que seria uma trilogia. Em 2012, estreou o primeiro capítulo do Hobbit – Uma Jornada Inesperada.
A primeira, agora segunda, trilogia rendeu mais de US$ 1 bilhão em todo o mundo. A atual vai render outro bilhão, mas, quando tudo começou, Jackson era um modesto diretor neozelandês cultuado pelo mau gosto de Fome Animal e pela bizarrice de Almas Gêmeas, que competiu em Veneza. A essência de O Senhor dos Anéis já estava lá, na história (real) das duas garotas que se refugiavam em um mundo imaginário e, pressionadas pelas famílias, partiam para o assassinato. Criaturas grotescas (os seres sonhados) e escolhas morais – como as que Frodo e Bilbo, como as que Thorin, o líder dos anões, fazem nas duas trilogias. Os efeitos, e a nova técnica, a motion capture, que Jackson criou para viabilizar o Gollum, personagem-chave de Tolkien, nunca foram um fim, mas ferramentas.
Tolkien foi um filólogo que pesquisou e sintetizou lendas e mitos de diferentes culturas. Mas justamente por ser linguista, ele construiu primeiro as línguas dos povos exóticos de seus livros – ‘o repicar dos sinos’ da fala dos elfos –, convencido de que a palavra deveria vir antes da história, e isso é Homero. Se Tolkien criou línguas, Jackson fez uma revolução técnica. Toda a trilogia do Hobbit investe no grandioso, mas o que fica com a gente, no fim de tudo, é outra coisa. Para quem sabe ver, A Batalha é um monumento de intimismo.
ENTREVISTA - Peter Jackson, diretor
‘Em geral, eu espero 20 anos para rever os meus filmes’
O primeiro encontro do repórter com Peter Jackson foi em Veneza, em 1994, quando ele mostrou Almas Gêmeas. Reencontro com o diretor em Londres, na companhia da produtora Philippa Boyens.
Falou-se demais na coletiva no Hobbit como literatura infantil, mas o filme não é...
Foi porque fizemos O Senhor dos Anéis antes. Para dar unidade às duas trilogias, foi precioso manter o tom. Drama e complexidade narrativa.
Você reviu O Senhor dos Anéis antes de encarar O Hobbit?
Em geral, espero 20 anos para rever meus filmes. Estou planejando rever Almas Gêmeas, que é um dos meus filmes preferidos. Mas revi partes do Anel, sim.
E...?
Perguntei-me, honestamente, como fizemos aquilo.
E como conseguiu?
Mal sei administrar meus e-mails. O segredo foi me cercar de uma equipe notável, que me permitiu recriar o universo de Tolkien na tela.
Sem a motion capture não existiria o Gollum...
Toda a técnica de O Senhor dos Anéis e do Hobbit, incluindo a motion capture, foi ferramenta para contar a história e captar a alma do ator, Andy Serkis.
Tolkien pode ser grande, mas você teve de aprimorá-lo. Bard, o arqueiro, é melhor nos filmes...
Tolkien foi sempre a bússola, mas, com o risco de parecer crítico, Bard é mesmo pouco desenvolvido no livro. Foi preciso fazê-lo crescer.
Você deve ser herói na Nova Zelândia. Colocou o país no mapa, criou uma indústria...
Philippa: Peter nunca quis ser herói. E nós só temos de agradecer. Do governo ao mais anônimo trabalhador, a grandeza dos filmes é um esforço coletivo./ L.C.M.