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Mostramos a Mostra de cinema para além dos filmes 'cabeça'

Um roteiro de filmes da Mostra de São Paulo que foge da aridez do "Cinema de Arte"

Por Amilton Pinheiro
Atualização:
Sessão do filme Riocorrentena 38ª edição Foto: Mario Miranda Filho/Agência Foto

Há quase quarenta anos, a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, esse ano em sua 39ª edição, é o mais esperado evento cinematográfico dos aficionados pelos “filmes cabeças”, daqueles lugares que pouco ouvimos falar, como, por exemplo, Albânia, Kosovo, Bangladesh, etc, falados em idiomas que nem pesávamos que existiam. Mas desde o início da Mostra, lá pelos idos de 1977, que seu fundador e diretor, Leon Cakoff, que morreu em 2011, privilegiou filmes vindos de lugares incomuns. “Claro que a Mostra é feita pensando nesse público mais cinéfilo, mais exigente, mas nunca deixamos de trazer filmes mais palatáveis, que podemos classificar de ´Cinemão`. Um evento que contempla mais de 300 filmes, não tem como ficar restrito apenas a esse tipo de cinema”, explica a diretora da Mostra, Renata de Almeida.

De fato, a Mostra se consolidou exibindo filmes que nunca chegavam no circuito comercial daqui, como os iranianos, que passaram a entrar em cartaz depois dessas projeções. Diretores como Amos Gatai, Abbas Karostami e Aton Egoyan, entraram para vocabulário dos cinéfilos graças à Mostra. Mas também foi por causa da Mostra que um tal de Quentin Tarantino flanou pela Paulista nos anos 1990, totalmente anônimo, quando veio apresentar o seu filme de estreia Cães de Aluguel, no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), onde nasceu a Mostra. “Eu estava nessa sessão do Masp. Lembro que Tarantino era todo desajeitado, uma figura engraçada. Ninguém deu bola para ele antes da exibição do filme. No final da sessão todos queriam conhecê-lo”, recorda o editor do Caderno 2, do jornal O Estado de S. Paulo, Ubiratan Brasil, que passou a frequentar o evento em 1981, quando a Mostra estava em sua 4ª edição.

Renata de Almeida, diretora da Mostra Foto: Mario Miranda Filho/Agência Foto

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A diretora Renata de Almeida, até tentou diminuir a quantidade de filmes desde ano, devido em parte a crise que o País atravessa, que fez com que a Mostra perdesse 40% do seu orçamento. A 39ª edição do evento traz 312 filmes de 62 países. “Não tem jeito, tentamos, até porque nosso orçamento teve um corte de 40% em relação ao ano passado, mas quando vimos já tínhamos ultrapassado a marca de 300 filmes”, explica a diretora.

Os frequentadores assíduos da Mostra têm garantidos os filmes que esperam o ano todo, como os ganhadores de prêmios dos principais festivais de cinema como Cannes, Berlim e Veneza, além dos filmes da produção atual asiática, iraniana, latino americana (que esse ano está muito forte) e a safra recente de filmes de outros lugares longínquos. Para esse público tem ainda as mostras especiais e uma delas vem da The Film Foundation, que são filmes clássicos restaurados pela Fundação do diretor americano Martin Scorsese. São títulos de encher os olhos de qualquer amante da sétima arte: Como Era Verde o Meu Vale, de John Ford, ganhador do Oscar de melhor filme e direção em 1941 (ano que concorreu, aquele que é considerado pela maioria dos críticos como o melhor filme de todos os tempos, Cidadão Kane, de Orson Welles), Sindicato dos Ladrões, Elia Kazan, Rashomon, de Akira Kurosawa, Aconteceu Naquela Noite, Frank Capra e Rocco e Seus Irmãos, de Luchino Visconti.

Mostra para iniciantes

Para os não frequentadores da Mostra, há muitas opções de filmes. Selecionamos alguns títulos que podem agradar aos não-iniciados. Os filmes americanos geralmente são as escolhas mais óbvias para um público mais amplo, acostumados com linguagem e as histórias dessa cinematografia. Uma aposta certa é Aliança do Crime, de Scott Cooper, que passou no Festival de Veneza esse ano, e que traz o astro Johnny Depp, na pele de um mafioso, James “Whitey” Bulger, que ajuda o FBI a acabar com a máfia italiana em Boston nos anos 1970. O filme é baseado numa história real e é pura adrenalina com suas cenas violentas e perseguições.

Para os apaixonados pelos filmes de horror não deixem de ver A Bruxa, de Robert Eggers, que saiu do último Festival de Sundance, com o prêmio de melhor direção. A história de uma família da Nova Inglaterra, em 1630, que se muda para um lugarejo próximo a uma floresta e lá passam a conviver com o sobrenatural, o desconhecido. O horror aqui é mostrado de forma psicológica e, por isso mesmo, mais assustador. A diretora Renata de Almeida, confessa que viu o filme numa cabine acompanhada por uma pessoa com medo dos sustos que ele ia proporcionar (o que de fato aconteceu segundo ela).

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Para quem não curte filmes de violência e de horror e preferem coisas mais leves, não deixem de ver Mistress America, de Noah Baumbach, uma comédia bem simpática, que conta as atrapalhadas de uma estudante em Nova York. O diretor Baumbach ficou conhecido pelo seu trabalho anterior Frances Ha, uma comédia indie que fez enorme sucesso no circuito alternativo. Um dos pontos fortes dos dois filmes é sua atriz principal, Greta Gerwig, que por sinal, é colaboradora do roteiro em ambos os filmes, junto com o diretor e fica muito à vontade nesse tipo de papel, com uma naturalidade que pensamos que a conhecemos de algum lugar.

Saindo da América do Norte e indo até Israel, o público pode conferir outra deliciosa comédia 10% Minha Filha, de Uri Bar-On, que retrata as peripécias de um aspirante a cineasta para conquistar a filha de sua namorada.

E quem gosta de se emocionar, melhor dizendo chorar, no escurinho do cinema, a pedida é o demasiadamente humano Sabor da Vida, da diretora japonesa Naomi Kawase. Um tocante filme sobre relações humanas e o olhar sobre o outro, que traz a história de uma velhinha que num dia qualquer vai parar numa pequena padaria de dorayakis (uma espécie de panquecas que vêm recheadas de feijão azuki) e se oferece para trabalhar. O proprietário não leva em consideração a sua oferta, por achá-la muito velha para o trabalho. A velhinha começa a aparecer lá todos os dias e pergunta se ele ainda precisa de alguém para ajudá-lo, até o dia em que o convence. Um delicado drama sobre temas como velhice, abandono, doença incurável, redenção, convivência geracional, etc.

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Cortina de frio

Um das muitas surpresas da Mostra desde ano é uma ampla seleção de filmes de países nórdicos (Dinamarca, Suécia, Finlândia, Islândia, Noruega). São 63 filmes da produção recente desse lugar, uma oportunidade rara, até para os frequentadores assíduos da Mostra. “Os filmes nórdicos são bem palatáveis, e quem se dispuser a vê-los terá uma grata surpresa”, acredita a diretora da Mostra Renata de Almeida. Entre os filmes, que serão exibidos, podemos destacar: Coração de Leão, de Dome Karukoski, uma história de racismo e violência. O personagem principal é um dos líderes de um grupo neonazista que começa um novo relacionamento e para sua surpresa, o filho de sua namorada é negro.

Para o público teen, Renata de Almeida sugere O Círculo, de Levan Akin. “São seis adolescentes que vão para um parque abandonado e são escolhidas por bruxas para fazerem um trabalho em conjunto com o objetivo de salvar o mundo”.

Os amantes dos rapazes de Liverpool, The Beatles, vão se deliciar com a história de quatro jovens de Oslo, na Noruega, apaixonados pelo grupo inglês, em plena efervescência da beatlemania. No filme Beatles, de Peter Flinth, os rapazes planejam formar um grupo similar e alcançar o estrelado, claro que as coisas não vão sair como o planejado.

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Da Suécia vem o maior sucesso de todos os tempos do cinema de lá, O Homem de 100 Anos Que Pulou a Janela e Desapareceu, de Felix Herngren, que trata, assim como o longo título, de um amplo painel sobre a História da Suécia no último século. Um velhinho centenário pula a janela do sanatório onde vive e vai perambular pela cidade lembrando fatos vividos que contam a história do seu país. Um belo retrato do século XX, pelo olhar de um país nórdico.

Para não dizer que não falei do Brasil

A seleção brasileira promete ser uma das atrações da Mostra, apesar das desvantagens que os filmes nacionais têm em eventos assim, mesmo o Fest Rio, que dedica um belo espaço para os nossos filmes, a Première Brasil, pois a maioria do público prefere assistir os filmes estrangeiros. A produção recente do cinema nacional traz diretores consagrados como Hector Babenco, que exibiu seu novo longa, na abertura da Mostra, Meu Amigo Hindu, Ruy Guerra que apresenta Quase Memória, baseado em livro homônimo de Carlos Heitor Cony, Walter Lima Júnior que mostra Através da Sombra e Júlio Bressane com o seu novo longa Garoto.

Geralmente os filmes mais interessantes para o público, cinéfilo ou não, vêem dos novos diretores. A ex-apresentadora do programa Metropolis, da TV Cultura, Marina Person, traz seu primeiro longa Califórnia, um filme geracional de quem viveu os anos 1980.

O diretor Vinícius Coimbra, que estava recentemente com o seu primeiro longa em cartaz A Hora e a Vez de Augusto Matraga, fez uma livre adaptação da peça de William Shakespeare, Macbeth, para os dias de hoje, em A Floresta Que se Move. Uma das atrações do filme é a volta da bela Ana Paula Arósio, que hoje, casada, vive no interior da Inglaterra.

De Pernambuco, um dos lugares mais inventivos do cinema brasileiro atual, vem Boi Neon (que venceu a Première Brasil do Fest Rio), de Gabriel Mascaro. A história de um vaqueiro que adora costurar roupas, causou frisson no Fest Rio com as cenas fortes de nudez e sexo.

Para quem se interessa por personagens reais da nossa história, não deixem de ver Nise – O Coração da Loucura, de Roberto Berliner, um recorte sobre a vida da doutora Nise da Silveira, que revolucionou a psiquiatria brasileira com seu método de Terapia Ocupacional. A atriz Glória Pires consegue dar dimensão humana a essa mulher fenomenal. O sociólogo e ativista Herbert de Souza, o Betinho, ganha um lindo documentário Betinho – A Esperança Equilibrista, de Victor Lopes. E para encerrar, o cantor e escritor Chico Buarque, que não gosta de dar entrevistas e aparecer em público, se revela como nunca visto antes no documentário Chico – Artista Brasileiro, de Miguel Faria Júnior, que já tinha retratado outro belo artista Vinicius de Moraes, em outro delicado documentário.

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