Olivier Assayas fala dos impasses de sua juventude em 'Après Mai'

'Este filme é de fato sobre os sobreviventes de 1968', revela diretor ao 'Estado'

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Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

O que ficou da “quase revolução” de maio de 1968? É o que se propõe investigar o cineasta francês Olivier Assayas em seu belo e dilacerado Après Mai (Depois de Maio), que competiu no Festival de Veneza. Assayas vem se dedicando ao cinema político - é dele o magnífico Carlos, filme oceânico, de mais de quatro horas de duração sobre o controvertido Carlos, o Chacal, o venezuelano hoje preso na França. 

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Em Après Mai, Assayas dedica-se a um tema mais próximo. Fala de sua própria juventude. Ele, que nasceu em 1955, era apenas um garoto quando os enragés de 1968 quase depuseram o governo de Charles De Gaulle. Era um tempo de palavras de ordem como “A imaginação no poder” ou “Seja realista: exija o impossível”. Tempo de união entre estudantes e operários, barricadas no Quartier Latin, e uma imensa fé no futuro - que acabou não se concretizando. 

Os anos 1970, nos quais o futuro crítico dos Cahiers du Cinéma e cineasta se engajou, já eram diferentes, embora conservassem alguma coisa da década anterior. “Sobrava ainda o idealismo mas, ao mesmo tempo, constato que aquela geração foi se tornando mais e mais dogmática, rígida e sufocante”, disse, em conversa com o Estado durante o Festival de Veneza. “Este filme é de fato sobre os sobreviventes de 1968. Sempre é difícil assumir sua própria identidade na adolescência. E é ainda mais complicado quando você tem de assumir também uma identidade política, como foi o caso da época.”

Na história, os jovens personagens são herdeiros de uma revolução interrompida. Ainda acreditam na mudança do mundo. Mas o tempo histórico já é outro. A época tem outros ingredientes e atrativos, como as drogas e a viagem mística ao Oriente. Como resultado, o confronto com a esquerda dogmática e conservadora do ponto de vista do comportamento. Num filme coral, de muitos personagens, Gilles (Clément Métayer) se destaca como alter ego do diretor. É um garoto tomado pela política, mas tenta também desenvolver uma trajetória artística como pintor. 

Os pontos de contato são óbvios: “Pintei durante a juventude”, diz Assayas. “Mas, depois, o trabalho da pintura, muito solitário, tornou-se insuportável.” O cinema lhe surgiu como caminho para um trabalho “coletivista”, como se dizia na época. 

Mesmo assim, para certos grupos, o cinema era visto com desdém. “Havia toda uma discussão entre o espírito coletivo e o individualismo. Um filme hoje clássico, como A Mãe e a Puta, de Jean Eustache, foi considerado pequeno-burguês. Estamos falando de um dos mais belos e radicais filmes do cinema francês. Uma revista como a Cahiers du Cinéma também foi acusada de apoiar filmes individualistas e alienados. Não é fácil ser jovem numa época dessas e acho que o personagem Gilles expressa bem essa complicação.” 

O filme tem essa pulsão, essa urgência jovem. Mas nada tem de idílico. Pelo contrário, inclui a angústia nas vidas jovens que descreve. “Não queria dar a impressão de uma juventude idealizada, mesmo porque a minha não foi assim. Havia o amor, a ternura, e tudo se inclui na história. Havia também o peso do compromisso político, a carga de responsabilidade que sentíamos em relação à classe operária. A ideia da revolução funcionava como uma espécie de superego para a nossa geração”, diz. 

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Assayas tem perfeito domínio do ritmo a ser dançado pelo filme. Quem viu Carlos sabe do que se fala: apesar de longo, a tensão não cai nunca ao longo da trajetória de personagem tão fascinante. Em Après Mai, o ritmo não chega a ser lisérgico, como em Carlos. Mas é tenso. Assayas faz comparações entre os dois projetos: “Com Après Mai eu queria fazer um filme mais leve do que Carlos. Mas, com o tempo, o projeto foi crescendo e se tornando mais complexo”, admite. Há continuidades temáticas. “Carlos era um idealista no começo, formou-se na guerra civil e via-se como soldado da revolução. Torna-se um mercenário quando as circunstâncias históricas mudam”, afirma.

E como foi trabalhar com essa geração mais jovem, que nem nascida era na década dos “anos rebeldes”? “Eles são diferentes do que éramos, sem dúvida, mas consegui interessá-los na maneira como pensávamos naquele tempo”, diz o diretor. “Claro, eles não se interessam mais pela política, desconfiam dos políticos, têm desprezo por eles, o que é uma atitude da nossa época”, admite. De toda forma, Assayas conseguiu interessá-los pelo dilema de uma geração. “O que se criou nos anos 70 foram dois lados: um, o da contracultura, com sexo livre, música, drogas. O outro, o dogmatismo de esquerda, que detestava sexo livre, drogas e música. O contato entre esses dois lados da moeda se tornou muito difícil, senão impossível. O clima tornou-se insustentável e insuportável.”

O balanço: a revolução dos anos 60 não se cumpriu, e também não foi uma derrota. Mesmo essa conclusão não é fechada: “Filmes tentam representar o mundo em sua complexidade, não são para dar lições”, acrescenta. 

APRÈS MAI

Cine Livraria Cultura - Sexta, 26, às 23h

Reserva Cultural - Sábado,27, às 23h

Cinemark Eldorado - Domingo, 28, às 19h

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Cinemark Metro Santa Cruz - Segunda, 29, às 21h

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