Olga Breno morre sem homenagens

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Por Agencia Estado
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Única sobrevivente do antológico filme Limite, Olga Breno morreu semana passada no Rio aos 89 anos sem homenagem. Passou a vida desconhecida, os últimos anos morando na casa de uma das duas filhas no Leblon e guardando a única relíquia de sua história: os envelopes com fotografias, citações, recortes e cartas sobre Limite. Se dona Olga morasse em Hollywood, Paris ou Londres seria, ela própria, a relíquia do cinema nacional. Mas trata-se do Brasil. Onde a única cópia de Limite foi guardada durante anos debaixo da cama do salvador do filme, Saulo Pereira de Melo. E onde o próprio diretor de Limite, Mário Peixoto morreu anônimo e paupérrimo aos 84 anos em 1992, tendo perdido a casa do Morcego com todas as antiguidades e filmado apenas um dos 17 roteiros que escreveu na vida. Depois de Limite que fez aos 18 anos, Olga Breno teve três alegrias. A primeira foi a homenagem do Teatro Municipal 50 anos depois da filmagem de Limite, em 1930. A segunda foi o reencontro com Mário Peixoto, em 1988, na inauguração do Centro Cultural de Magaratiba onde Limite havia sido rodado -- e ela pôde cochichar ?Mário, eu não sabia que era tão famosa?. A terceira alegria foi na Casa de Cultura Laura Alvim no Rio, em 1996, durante um ciclo de palestras sobre Limite onde ela, pela primeira vez, entendeu seu papel no filme. ?Eu era angústia, prisão?, ela contou talvez na última alegria que teve antes de morrer, em entrevista no ano passado para o jornal O Estado de S.Paulo. ?Até então eu não entendia patavina do que fazia naquele filme.? Olga Breno estava feliz por contar passagens de uma história da qual ela era a última detendora, disposta a abrir seu baú de tesouros. Contou que estava na loja de chocolates Bhering que pertencia ao primo de Mário Peixoto quando foi chamada pelo patrão. ?Quer fazer um filme??. Ela saltou de trás de um balcão para ser o rosto de abertura de Limite, com as mãos algemadas. Não foi nada fácil. A mãe nascida em Trás- os-Montes só permitiu a participação da filha depois de se certificar que no roteiro não havia beijo. Assim mesmo mandou de vigia o irmãozinho da filha, para acompanhar cena por cena, e relatar tudo em casa depois. O diretor de 22 anos ordenava e ela fazia sem perguntar ou saber o que vinha antes ou depois. ?Fui confinada num barquinho que deveria navegar em Mangaratiba?, ela contou, ?e só rodamos o filme ali porque o primo do Mário era o prefeito?. Em terra a equipe estacionava na fazenda Santa Justina. O diretor nunca se preocupou com um pormenor. ?Eu não sabia nadar, tinha pavor de água, mas enfrentei tempestades me apoiando nos destroços do barco em alto mar, morta de medo?. Olga também não sabia chorar, ?nem em enterro? mas o diretor obrigou e ela apelou para as cebolas. ?Não sabia de que se tratava, mas acho que o Mário também não, ele trazia as seqüências na cabeça sem dizer nada para a equipe, e na hora improvisava; dava certo? Olga não sabia de filme nem de cachê. ?Nem sabia que essas coisas eram pagas?, contou. ?O primo dele me liberou de vendedora na loja mas continuou pagando o salário, e o Mário me dava uns vestidos?. Ela contou que, como diretor, Mário era um gentleman. ?Nunca houve grito, rispidez, histrionice?. Nos bastidores corriam as fofocas. ?Que Mário era gay, que a outra atriz do filme, Taciana Rey, era apaixonada pelo único ator do filme, Raul Schnoor, mas que o Raul gostava era de mim?, Olga contou, maliciosa. Ela lastimava que o fim da sua carreira tenha coincidido com o fim do filme. ?Eu fazia parte do elenco do segundo filme de Mário, Onde a Terra Acaba, mas ele brigou com a atriz principal, Carmem Santos, que era a dona do estúdio Brasil Vita. A Carmem insistiu para que eu ficasse mas fui solidária com o Mário, saí junto?. Olga saíu desolada. ?Mesmo tendo repetido 46 vezes a cena em que era esbofeteada ao vivo, e sem dublé? a atriz casou-se e teve duas filhas. O glamour do cinema ficou para trás. ?Gosto que me chamem de Olga Breno porque era nome artístico, mas na verdade a Olga só existiu naquele filme?, ela disse. Seu nome verdadeiro, como todo mundo a conhecia, era Alzira Alves. Alzirinha. ?Mas o Mário disse que esse nome não dava e me fez escolher entre dois, Luba Laje e Olga Breno ? achei o último mais normal.? Maquilada, bonita, lúcida, ela disse ainda estar orgulhosa de ter cumprido o destino que, sem querer, Mário Peixoto havia profetizado para ela. ?Dos três atores do filme dentro de um barquinho num mar imenso, o Raul se entrega logo, a Taciana fica esperando o pior e era eu quem deveria lutar contra a morte até o fim, não sucumbir.? A profecia durou até a noite de quarta feira dia 11 de outubro. De qualquer forma, Limite, que trata da limitação do ser humano, deixa claro: tenha a atitude que tiver, depois de viver amor, desespero, naufrágios, o destino de todos os habitantes de todos os barcos é um só. Este ano, a editora Aeroplano publicou Mário Peixoto, Escritos Sobre Cinema de Saulo Pereira de Mello ? guardião da obra do cienasta. E a Lacerda Editores lançou a primeira biografia do diretor, Jogos de Armar, de Emil de Castro. A Funarte também colocou no mercado o cd-rom Estudos sobre Limite. Mas Olga Breno só pode ser revista na obra genial de Mário Peixoto no vídeo vendido pela Funarte a R$ 20,00. Ver Limite, no cinema, com música ao vivo, vai ser difícil. O filme corre em 16 quadros, e não em 24, requer cuidados especiais. A Funarte passou o filme uma vez no Teatro Municipal em 1980, outra, há dois anos. Não tem previsão para a próxima projeção. O documentário Onde a Terra Acaba, de Sergio Machado, está em finalização.

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