Kristina Grazova e Petar Valchanov são crias do Berlinale Talent Campus. Todo ano, o Festival de Berlim seleciona novos diretores e promove oficinas para aprimoramento de projetos e vocações, inclusive com possibilidade de participação financeira em obras difíceis de viabilizar. A dupla de diretores búlgaros – um casal – passou pelo Campus. Numa entrevista por telefone, de Sofia, Petar conta que foi uma experiência decisiva. Dela nasceu A Lição, longa que estreia nesta quinta-feira, 11, em São Paulo depois de percorrer com êxitos festivais internacionais. Petar e a mulher viraram os novos queridinhos da crítica. Juntos há dez anos, desde que se graduaram –, somam no currículo curtas e um filho. Por mais difícil que seja fazer cinema na Bulgária, estão conseguindo. A Lição trata da ética num mundo em que as pessoas, levadas ao limite, transigem com as próprias convicções.
É possível manter-se íntegro num mundo corrupto? É a questão que aflige a professora Margita Gosheva. Pavel conta que o longa nasceu de uma manchete de jornal: ‘Professora assalta banco’. Kristina e ele leram a notícia, interessaram-se. Fizeram alguma pesquisa de campo, mas perceberam que deviam se manter distantes da personagem real. “Desde os curtas, percebemos que trabalhar sobre dramas reais é muito bom como inspiração, mas pode ser paralisante se a gente não dispuser de liberdade para ficcionalizar. O que nos interessa, no limite, é a ficção.” Foi assim que, no desenvolvimento do roteiro de A Lição, o casal fez escolhas.
O filme é sobre uma mulher – professora – que se vê pressionada a dispor de dinheiro rapidamente, sob pena de perder a casa. Sem opção, ela encara o que parece um desafio louco – roubar o banco. O marido vira um personagem de fundo na história. Quem ganha destaque é outro personagem 100% fictício – 100%? “Lembrei-me de um episódio da minha infância, de um colega, um pequeno ladrão, que foi preso na escola. Conversei muito com Kristina, e ela adorou. Procurávamos uma saída para criar um dilema moral e ético para nossa professora. Quando ela descobre o ladrão na turma, sua tendência é puni-lo. Ao mesmo tempo, busca justificativas para seu ato, o mesmo que considera injustificável no garoto.”
A história já estava nesse pé quando Kristina e Petar foram para o Talent Campus. Foi lá, em contato com colegas e orientadores, que A Lição tomou sua estrutura definitiva. “Não queríamos que nossa história virasse um dramalhão. Ela já tinha humor, mas foi nossa orientadora que nos estimulou a investir num aspecto que estávamos minimizando – o policial. Sem transformar nossa ‘chamber piece’ num filme de gênero, começamos a abrir o que era quase um exemplo de filme de câmara, fechado no dilema da protagonista. Foi muito estimulante trabalhar o suspense. Nunca tínhamos feito isso antes. Descobrimos que você pode escrever e até filmar uma cena pensando em criar tensão, mas o recurso só surge mesmo na montagem. Esse elemento ‘policial’ foi o que mais tempo nos tomou na edição.”
A atriz que faz a professora, Margita Gosheva, é muito conhecida – e respeitada – na Bulgária, mas deve sua fama principalmente à atividade no teatro. “Margita já fez alguns papéis no cinema, mas não como protagonista. Precisávamos de alguém com seu carisma e presença cênica. No começo, ela vacilou, sentiu-se insegura, mas Kristina e eu logo percebemos que nossa escolha fora acertada.” O garoto é filho do compositor que trabalha com a dupla desde os curtas.
“Ele não é completamente estreante, porque já fez alguma coisa em cinema, mas como o conhecíamos bastante a relação foi de confiança.” O grande problema, Petar admite, foi trabalhar com pouco dinheiro. “Mas é a realidade do país. Não existe só uma crise econômica, há também uma tendência a negligenciar a atividade cultural.” Kristina e ele conseguiram parceiros na Grécia, que vive uma situação de crise maior ainda, e na Alemanha, para a pós-produção.
Nas pesquisas para elaboração do roteiro, Pavel e a mulher ouviram tantas histórias que decidiram fazer de A Lição parte de uma trilogia. “Para dizer a verdade, o filme deveria ser o fecho da nossa trilogia sobre a ética, mas as circunstâncias nos fizeram começar pelo fim. No mês que vem, começamos a filmar o próximo, sobre o que ocorre com um homem, um trabalhador, que acha uma fortuna nos trilhos do trem. Sua honestidade lhe cria problemas. Vai ser bem estimulante de fazer.”