'O Fio de Ariane' investe na força da fantasia em cenário francês

Longa mantém o foco na realidade social que atrai o autor

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Por Luiz Carlos Merten
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Robert Guédiguian admite, numa entrevista por telefone, estar preocupado com o que ocorre na França. “O governo de (François) Hollande foi uma decepção e ele se vale agora dos atentados para tentar unir os franceses num discurso patriótico. Seu discurso pela unidade tem algo de excludente, porque ignora o Magreb. Hollande busca parceiros para atacar a Síria, como se essa fosse a solução.” Mas o telefonema é para falar de O Fio de Ariane, seu filme que estreia nesta quinta-feira, 7. Não se pode dizer o ‘novo’ Guédiguian. “Queria estrear Histoire de Fou em 2015, para assinalar o centenário do genocídio armênio e, assim, terminei ficando com um ano vago. Como o genocídio é um tema pesado, resolvi fazer, rapidamente, alguma coisa leve e divertida, que fosse como um presente para Ariane (sua mulher, a atriz Ariane Ascaride). Levando ao pé da letra o conceito do ‘presente’, Guédiguian abre seu filme com um bolo de aniversário. Na ficção, Ariane, que se chama assim mesmo, espera amigos e familiares para festejar o aniversário. Como ninguém aparece, ela parte sozinha, para comemorar em Marselha. Aceita uma carona e vai parar num bar. Faz uma viagem de descoberta, encontrando um monte de gente. “Desde o início, a essência de O Fio de Ariane era a fantasia”, define o diretor. Mas é uma fantasia à Guédiguian, um daqueles diretores - como Ken Loach e os Dardenne - que não desiste de fazer filmes engajados, sociais. “Estamos na contramão das tendências, mas alguém tem de continuar batendo na tecla do humanismo e da consciência social”, ele diz.

A Ariane da ficção avança pelo labirinto que virou o mundo, mas, na fábula de Guédiguian, chega a um ponto em que precisa recuar, para se (re)encontrar. Como a Ariane da mitologia, no labirinto do Minotauro, observa o repórter? “Exatamente, e por isso ela precisa do fio para voltar. Não é um retrocesso, porque a Ariane do fim não é a mesma do começo”, avalia o diretor. Para ele, e até por ser um presente para a mulher, O Fio de Ariane é uma celebração da arte do ator. “Como tudo o que faço, o filme é muito escrito e planejado. Pelo tom, as pessoas tendem a achar que muitas cenas, senão todas, foram improvisadas, mas não é nada disso. O que ocorre é que eu dava a Ariane e aos demais atores a liberdade de criar na cena. Volta e meia, ela própria me propunha - vamos tentar assim? E a gente fazia. Foi uma filmagem muito prazerosa.” Embora seja um diretor de ‘esquerda’, Guédiguian trabalha no mercado. “Tenho um público fiel. Meus filmes não perdem dinheiro e isso me permite seguir trabalhando.” O Fio de Ariane fez 200 mil espectadores, o que, pelo tamanho e custo do filme, está bem. Mas os atentados derrubaram Histoire de Fou na bilheteria. “A última coisa que as pessoas queriam era se encerrar no cinema.” Pior que a queda do público foi a brutalidade da experiência, avalia Guédiguian. “Não vamos perder o foco nem a esperança, mas o momento é grave”, conclui.

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