'O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Mäki' narra a história real do pugilista Olli Máki

Boxeador finlandês luta para sobreviver no difícil e complicado ano de 1962

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Atriz de Billy Wilder - Fedora, de 1976 -, Marthe Keller presidiu o júri da mostra Un Certain Regard no Festival de Cannes de 2016. E foi ela quem outorgou o prêmio da seção ao filme finlandês O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Máki. Marthe disse que seu júri ficou honrado e satisfeito com a delicada missão que lhe coube devido “ao excelente nível das obras apresentadas”. Cada filme terminou sendo uma experiência única sobre o estado do mundo, ao abordar temas como família, política e diferenças culturais.

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O Dia Mais Feliz estreou nos cinemas brasileiros na quinta-feira, 10. Ao contrário da premiação da Palma de Ouro, a da mostra Un Certain Regard não possui um protocolo tão rígido. Os vencedores saem em meio ao público e é possível trocar algumas palavras. Foi o que ocorreu nesse caso, com o diretor Juho Kuosmanen. Olli Máki existiu de verdade e foi um pugilista finlandês que, em 1962, chegou à final do campeonato mundial de boxe. Transformado em herói nacional, Olli passou a ser seguido em seu treinamento por uma equipe de cinema. Isso permite ao diretor adotar o formato do filme dentro do filme.

Produções sobre boxe chegam a se constituir num gênero específico de Hollywood. Não é preciso muito esforço para lembrar clássicos que estão no imaginário dos cinéfilos - Conflito de Duas Almas/The Golden Boy, de Rouben Mamoulian, com William Holden e Barbara Stanwyck; Punhos de Campeão, de Robert Wise, com Robert Ryan; A Grande Esperança Branca, de Martin Ritt, com James Earl Jones; Rocky, Um Lutador, de John G. Avildsen, com Sylvester Stallone; Touro Indomável, de Martin Scorsese, com Robert De Niro, etc. Extrapolando um pouco - mas não deixa de ser sobre boxe - pode-se citar até Rocco e Seus Irmãos, a obra-prima do italiano Luchino Visconti, com Alain Delon e Renato Salvatori.

O pugilista. Suspense fica no campo do amor Foto: Zeta Filmes

O que um filme como O Dia Mais Feliz, e um personagem como Olli podem agregar a essa lista seleta? Para início de conversa, a expectativa de vitória é de todo um país, mas não necessariamente de Olli. Já antes da premiação, ao apresentar seu filme no Grand Théatre Claude Debussy, o diretor disse que conhecia a história de Olli desde menino. “Somos da mesma cidade, Kokkola, e ele com certeza faz parte da lenda local. Adulto, fui ver uma peça sobre Olli e descobri que não era bem sobre ele porque é um personagem difícil de apreender. Um campeão que não se preocupa em ser campeão e está mais interessado na própria mulher. Comecei a me perguntar como contar essa história? Como torná-la relevante para o mundo, não apenas uma plateia local? E cheguei ao formato do filme, que não é só sobre ele. É sobre o cinema, também.”

E após a premiação - “Tinha dúvidas se conseguiria tornar essa história universal. Agora, estou convencido de que sim. Vi muitos filmes, todos aqueles que você deve estar imaginando - Rocky, Touro Indomável... Mas o que mais me influenciou foi o livro de Joyce Carol Oates, On Boxing. Ela me revelou um outro viés, mais intimista, que foi decisivo. Também vi muitos documentários, e um foi especial, Sons of Cuba, sobre garotos aprendendo a lutar. Masd a questão é que lá pelas tantas me dei conta de que deveria parar de ver filmes, que estavam me paralisando. Comecei a frequentar ginásios e a ver lutas, e foi aí que descobri que não era tão complicado. A decisão de filmar em preto e branco veio do fato de que a equipe que documentou o preparo de Olli usava esse tipo de filme. Filmava para mostrar na TV, que era em PB.”

A grande originalidade no olhar de Kuosmanen (o diretor) é que o filme dele não narra a clássica história de superação, como Rocky, nem a do lutador cujo pior inimigo é ele mesmo, tipo Touro Indomável, nem mesmo desvenda os bastidores corruptos do esporte, como Punhos de Campeão. Olli é meio que empurrado para cumprir seu destino e é nesse momento que se apaixona. Ainda por cima, por uma mulher que não parece muito interessada nele nem no boxe. “É um péssimo momento para se apaixonar”, adverte seu treinador. E é disso que o filme dá conta. Se existe algum suspense não é nunca saber se Olli vai vencer - o resultado é conhecido -, mas se vai ter sucesso no amor. Boy meets girl. Boy conseguirá ficar com a girl? 

Olli divide sua energia entre o treinamento, e a garota. Algumas das melhores cenas mostram como eles se relacionam - como quando ela o convida para um banho gelado. E existem as longas caminhadas por corredores de ginásios e estádios. Existe o olhar dos outros. Kuomanen filma nesse preto e brasncfo belíssimo, tem atores extraordinários. Jarkko Lahti torna palpável a timidez de Olli e a força do seu sentimento. O filme é uma coisa. Termina - com uma decisão talvez inesperada e nada racional de Olli -, mas, como muitas, senão todas as histórias reais, a de Raija (a garota) e dele continua fora do filme. Agora idoso - passaram-se 55 anos -, Olli sofre de Alzheimer. Raija cuida dele. Uma viagem a Cannes seria muito dura para ambos. Kuomanen mostrou o troféu. “Isso é deles. Vou levar e mostrar o filme, que ainda não viram.” Preto e branco, não a vitória tradicional. Um outro viés, mais humanista. O cinema de Kuomanen tem alguma coisa do de Aki Kaurismaki. Os pequenos personagens e suas grandes histórias. 

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