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No Brasil, Tim Burton enaltece Zé do Caixão e diz se sentir confortável em bares escuros

“Me sinto mais confortável aqui no Brasil do que no meu país (Estados Unidos). As pessoas se expressam mais e eu me sinto em casa. E olha que só estou há dois dias”, diz o diretor

Por Pedro Antunes
Atualização:

“É, talvez eu passe tempo demais em bares”, diz Tim Burton, 57, antes de uma gargalhada daquelas. Cineasta, ícone de um cinema gótico, ora trágico, ora cômico, ora ambos, se vê com frequência encolhido em cantos de bares ou em coquetéis, com a caneta em punho, rabiscando um guardanapo de papel. Ali surgem ideias de novos e velhos personagens. As linhas são torcidas, cruas até, como motivadas mais pelo sentimento do que pelo apreço artístico. Uma centena desses pedaços de papel estão expostos em um corredor de O Mundo de Tim Burton, exposição que já está aberta no MIS (Museu da Imagem e do Som), em São Paulo, e que na tarde desta quarta-feira, 10, recebeu a visita do próprio homenageado. Burton encontrou jornalistas convidados ao longo da tarde e noite. “Me sinto mais confortável aqui no Brasil do que no meu país (Estados Unidos). Aqui, as pessoas se expressam mais. Me sinto em casa. E olha que só estou há 2 dias”, ele diz. Hoje, ele encontra fãs com ingressos já esgotados. No sábado, 13, fará uma sessão de autógrafos para 350 admiradores já sorteados por uma promoção realizada pelo museu. 

O cineasta, de rosto facilmente reconhecível, principalmente pelos cabelos quase propositalmente desgrenhados, assim como os personagens protagonistas de alguns de seus filmes, de Edward Mãos de Tesoura (1992) a Frankenweenie (2012) (2012), explica que foi uma criança de gostos diferentes – ou esquisitos. Adorava filmes de terror e se identificava com a ideia do cientista louco que cria Frankenstein (a referência mais clara disso é no praticamente autobiográfico e já citado Frankenweenie). Era exatamente como aquele garoto do longa, morando em Burbank, subúrbio de Hollywood (com vista para a traseira do famoso letreiro), sem amigos, preso dentro do seu próprio mundo, realizando pequenos filmes e curtas metragens – espera-se, apenas, que ele não tenha tentado ressuscitar o cachorrinho como o personagem da animação em stop motion. 

Tim Burton | Foto: Clayton de Souza|Estadão Foto: CLAYTON DE SOUZA|ESTADAO

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“Certa vez, um dos meus vizinhos chamou a polícia, porque achou que eu era um assassino perambulando pela vizinhança”, ele diz, para embarcar em uma nova gargalhada. “Mas sempre me vi como esse cientista louco. Amo Frankenstein e coisas assim. Acho que, por isso, gosto de fazer filmes em stop motion, porque é algo meio digno de um cientista maluco, mesmo, algo que não existe mais, mas você segue ali, montando quadro por quadro, para fazer as coisas se moverem na tela.” 

Jasão e os Argonautas (1963), filme pioneiro na técnica, de Ray Harryhausen, está entre as referências de Burton durante o papo de Burton e outros três jornalistas, antes da sessão de fotos e um encontro com um auditório repleto de outros repórteres. Mas ele também revela adorar o trabalho de Zé do Caixão (chamado por ele na versão do nome do brasileiro em inglês, Coffin Joe). “Não assisto a seus filmes há muito tempo”, diz. “Mas assisto a vários desses filmes estranhos. Não gosto daqueles filmes que as pessoas consideram ótimos. Gosto de trash, como esses que eu faço.” 

Fã de filmes de terror, que flertam com o grotesco, Burton os assistia durante a infância. Sem medo algum. Não se vê, contudo, fazendo um longa como esse. “É, não sei se conseguiria fazer um filme de terror”, ele diz, embora algumas de suas produções, como Os Fantasmas Se Divertem (1989) e Sweeney Todd (2010), beirem o terror, mesmo com altas doses de lúdico. “De alguma forma, esses filmes nunca me assustaram. O que me assustava, quando criança, era a vida real. Era ir para a escola, meus pais, meus parentes. Isso, para mim, era aterrorizante.” 

O Mundo de Tim Burton, que fica no MIS até o dia 15 de maio, nasceu no MoMa, em Nova York, em 2009, passou por outras cidades do mundo até estrear na América Latina em São Paulo. “Jenny He (curadora da exposição desde a estreia nos Estados Unidos) passou anos revirando a minha minhas gavetas para encontrar essas coisas”, ele lembra. São 500 artefatos, grande parte desenhos, rascunhos e ideias colocadas em práticas nas produções de Burton ou reservadas à sala dos projetos não realizados, chamada por ele como “a mais triste de todas”. “Não me lembrava de parte dessas peças. Mas é tudo muito pessoal. E, por isso, o início da exposição, em Nova York, tenha sido tão aterrorizante”, explica o diretor que explica não ter visitado museus até ultrapassar a casa dos 20 anos. 

O Mundo de Tim Burton narra uma visita pela cabeça do diretor, passando por sentimentos como terror, alegria, felicidade, melancolia. “É isso que nos faz humanos, não é?”, ele diz. Ainda assim, entre humanos, Burton se sente desconfortável ao ver obras tão pessoais, criadas em momentos de introspecção, expostas ali. Personagens como Edward Mãos de Tesoura, nasceram desses momentos. “Me sinto mais confortável sentado em um bar escuro, sem que as pessoas estejam prestando atenção em você”, ele diz. “Não gosto de me sentir exposto.” 

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O MUNDO DE TIM BURTON Museu da Imagem e do Som. Av. Europa, 158, tel. 2117-4777. 3ª a 6ª., 11h/ 20h; sáb., 9h/ 21h; dom. 11h/ 19h. Grátis na 3ª. 6ª e dom., R$ 12 (bilheteria); 4ª, 5ª e sáb., R$ 40 (compra pela internet). Até 15/5.

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