Na disputa do Oscar de animação, 'Anomalisa' capta uma realidade dolorosa

O amor é uma exceção no mundo saturado de melancolia

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Por Redação
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LOS ANGELES - Charlie Kaufman é conhecido pelos roteiros que dão nó na cabeça, como Quero Ser John Malkovich (1999), Adaptação (2002) e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004). Em seu segundo longa-metragem para o cinema como diretor - o primeiro foi Sinédoque, Nova York (2008) -, ele fez uma história mais simples: numa viagem de trabalho, o descontente Michael (David Thewlis) conhece Lisa (Jennifer Jason Leigh).  Desta vez, a ousadia está na forma: Anomalisa, que estreia no Brasil nesta quinta-feira, dia 28, é uma animação em stop motion. Tudo começou quando o estúdio Starburns Industries ofereceu a Kaufman a chance de transformar em animação sua peça apresentada no palco, mas concebida para o rádio. Codirigido por Duke Johnson, Anomalisa é a única animação totalmente para adultos a concorrer ao Oscar este ano - os outros candidatos são o brasileiro O Menino e o Mundo, o americano Divertida Mente, o inglês Shaun, o Carneiro e o japonês As Memórias de Marnie. Charlie Kaufman conversou com o Estado, em Los Angeles. 

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Qual foi a sua reação ao ser convidado para fazer uma animação? Fazia sentido para você? Não era uma questão de ser animação. Meu medo era pegar algo que não era para ser visto e torná-lo visual. Mesmo que fosse live action, eu estava preocupado em perder tudo o que era específico de uma peça pensada para o rádio: as coisas que você não podia ver, que eram sugeridas e ambíguas e que seriam criadas na cabeça dos espectadores. Mas estava aberto à ideia. Disse que, se eles conseguissem o dinheiro, poderíamos ir em frente. Estava num momento de dificuldade de conseguir levantar projetos e este me estava sendo oferecido, não tinha por que não tentar. 

Alguma coisa foi surpreendente em fazer uma animação? É tudo muito longo e devagar. Não sabia como uma animação profissional era feita, tive de aprender tudo. Acho que nem era completamente claro para mim o que um diretor faz numa animação. Então o codiretor Duke (Johnson) foi fundamental em todos os aspectos. Qual foi o maior desafio? Para mim, a ideia de que, numa animação, você precisa editar o filme. Fazer o filme e editar o filme antes de filmar, sabe? Porque você pega as vozes e coloca em desenhos mostrando as tomadas e sequências. Não tínhamos como fazer mais de uma tomada de nada. Normalmente, com meus filmes live action, eu demoro muito no processo de montagem. Descubro muita coisa na edição. Então fiquei aterrorizado de não ter essa opção. Em Anomalisa, demorava muito para ver algum progresso. Vem bem aos poucos, cenas demoram meses para ficarem prontas. Fiquei com medo. Os personagens são bem comuns, não têm nada de extraordinário. O que você queria dizer com isso? Sim. Queríamos que fosse gente comum. Que seus corpos fossem comuns. Que suas experiências fossem comuns. Para mim, o legal era que não há nada extraordinário em Lisa. Mas, quando você a conhece, existe algo de especial. Michael poderia ter se interessado por outra pessoa. Calhou de ser esta, por alguma razão. Por quê? Por que alguém acha outra pessoa interessante ou atraente? Existe uma arbitrariedade na minha cabeça que é importante para a história. Não queria que fosse: “Ah, ele se apaixona por Lisa por causa disso”. Ele se apaixona porque sim.Obviamente, você tem um fascínio pela psique humana, não? Gosto de escrever sobre pessoas do ponto de vista das pessoas, que é de dentro das pessoas. Não temos nenhuma outra maneira de experimentar o mundo. Sempre tento buscar um ponto de vista subjetivo, que é o que a psique reflete. Não é bem um fascínio, para mim é a melhor maneira de ser verdadeiro. Não funciona escrever de fora. A “anomalia” a que o título do filme se refere vem de uma analogia com o Brasil. Por quê? Dei a Lisa minha apreciação da música brasileira. Também gosto da língua. Acho que é uma das razões pelas quais aprecio a música, gosto de ouvir o idioma (Kaufman não quis dizer quais seus compositores e cantores favoritos).