Ministério da Cultura não tem plano para evitar novos incêndios na Cinemateca Brasileira

“Há sempre risco, não dá para garantir”, diz secretário do Audiovisual após fogo atingir ontem a Cinemateca

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Por Isabela Palhares
Atualização:

Pela quarta vez o nitrato de celulose foi o protagonista de um incêndio na Cinemateca Brasileira. Na madrugada de quarta, 3, uma das quatro câmaras do órgão, construídas especialmente para isolar e proteger 4 mil rolos de filmes feitos com a substância que é altamente inflamável, teve o acervo totalmente destruído após uma provável combustão espontânea dos materiais. Apesar disso, o Ministério da Cultura não tem nenhum plano para assegurar que novos incêndios não ocorram nas demais câmaras, que abrigam filmes com o mesmo material.

“A história do cinema, a real e a da ficção, como a do filme Cinema Paradiso, nos mostra que os incêndios são sempre provocados pelo nitrato. Há sempre um risco, não dá para garantir que não vai pegar fogo. Por isso, as câmaras ficam separadas do prédio, porque sempre há o risco de incêndio”, disse Pola Ribeiro, secretário do Audiovisual, área do Ministério da Cultural responsável pela Cinemateca. 

Incêndio na Cinemateca Brasileira Foto: Daniel Teixeira|Estadão

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A única precaução prevista para ser adotada, segundo ele, é que o material das outras três câmaras será distribuído também na que pegou fogo, após uma pequena reforma.

De acordo com a Cinemateca, o incêndio teve início às 5h30 e foi contido pelos bombeiros cerca de uma hora depois. Oito carros e 12 homens ajudaram a conter as chamas. 

A câmara atingida guardava mil rolos, que correspondem às cópias originais de cerca de 500 obras – entre elas já foram identificados 17 curtas-metragens e cinejornais, todos das décadas de 1930 e 40. Ao menos 80% das obras perdidas já tinham cópias de segurança. O nome de todas as obras será divulgado em cinco dias, segundo Ribeiro.

 Cinemateca Brasileira já havia sido atingida por fogo em outras três ocasiões: 1957, 1969 e 1982. “Em todas essas vezes foi o nitrato o responsável pelo incêndio”, disse Olga Futemma, coordenadora-geral do órgão.

Desde sua instalação em 1998 na Vila Clementino, zona sul de São Paulo, o acervo da Cinemateca – que tem 250 mil rolos de filme de 45 mil obras, um dos maiores acervos da América Latina –, pode isolar os rolos de nitrato de celulose dos demais materiais. “Se essa substância não estivesse segregada, poderia ter sido um desastre para todo o acervo da Cinemateca. Se não estivesse em local adequado, poderia ter ocorrido uma explosão com consequências devastadoras”, disse Olga.

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Causa. Ainda segundo Olga, a principal hipótese para o incêndio é de que a câmara tenha acumulado o calor dos últimos dias e um dos materiais – ou um conjunto deles – tenha tido uma combustão espontânea. 

As câmaras foram construídas sob a orientação técnica da Federação Internacional de Arquivos de Filme (Fiaf), elas não possuem sistemas elétricos e têm as paredes desconectadas com o teto para evitar explosões, segundo Olga. 

No entanto, o prédio não possui o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) e alvará de funcionamento, concedido pela Prefeitura. Olga disse que o projeto de segurança feito pelos Bombeiros já havia sido feito e protocolado no Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp), por se tratar de um prédio histórico tombado – onde antes funcionava o matadouro da cidade.

Crise. A Cinemateca está praticamente paralisada desde 2013, quando Marta Suplicy, então ministra da Cultura, exonerou Carlos Magalhães da diretoria da instituição e congelou os repasses à Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC), entidade sem fins lucrativos que contratava os funcionários, após a Controladoria-Geral da União abrir uma auditoria para investigar o convênio entre o ministério e a entidade.

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A SAC recebeu R$ 111 milhões do Ministério da Cultura entre 1995 e 2010. Um dos relatórios da CGU diz que a entidade foi contratada por escolha do ministério, sem consulta a outros interessados e que projetos foram aprovados sem avaliação adequada dos custos.

A Cinemateca, que já chegou a ter mais de 100 funcionários, tem hoje pouco mais de 20 colaboradores. O que fez com que algumas atividades fossem interrompidas, como a biblioteca e uma sala de projeções que precisaram ser fechadas nos últimos anos. 

A paralisação levou a uma queda expressiva de público. Em 2012, a Cinemateca recebeu cerca de 40 mil pessoas por ano. Em 2015, esse número não ultrapassou a metade.

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Incêndio na Cinemateca Brasileira Foto: Daniel Teixeira|Estadão

Ribeiro, no entanto, prometeu que o incêndio de ontem não vai comprometer o cronograma que pretende “ressuscitar” a Cinemateca. O Ministério da Cultura planeja estabelecer uma organização social até o fim deste semestre para administrar a instituição, com a expectativa de dobrar o número de funcionários. 

“Apesar da dor de ter perdido parte do material, estamos muito motivados a colocar todo esse acervo à disposição da população. A Cinemateca é muito custosa, mas o valor gasto se justifica se nós conseguirmos fazer uma difusão desse material em todas as camada sociais”, afirmou Ribeiro. 

A reabertura da Cinemateca ao público após o incêndio depende agora da disponibilidade dos poucos funcionários, que ficarão responsáveis em identificar todas as obras perdidas com o fogo. A previsão, segundo Olga, é de que em uma semana o local possa ser reaberto. “Vamos fazer de tudo para retomar as atividades quanto antes”, disse.

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