Mel Gibson: 'Eu, de volta? Nunca saí'

Depois de 10 anos sem dirigir um filme, o ator lança o bélico 'Hacksaw Ridge' sobre a história real de um soldado

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Por Antonio Martin Guirado
Atualização:

Faz uma década que Mel Gibson dirigiu seu último filme. Problemas com alcoolismo e dramas familiares quase fizeram sua carreira naufragar. Mas agora ele contra-ataca com Hacksaw Ridge e, ainda que alguns digam que está “voltando”, o ator garante à EFE que, na verdade, nunca esteve fora do cinema.

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Em Hollywood, nada fascina mais que um retorno ao topo – mesmo que quem esteja retornando seja aquele que, em 2006, tenha afirmado, embriagado, que os judeus têm culpa “de todas as guerras do mundo”; e tenha se envolvido, quatro anos depois, num caso de violência doméstica contra a companheira de então, Oksana Grigorieva.

“Fiz um bom trabalho em Hacksaw Ridge e sei que muitos veem nisso uma volta, mas eu nunca estive fora”, afirmou o ator, de 60 anos. “Nunca parei de trabalhar; simplesmente, não estava produzindo tanto. Agora estou por cima de novo. Sinceramente, quero continuar fazendo isso. Faço bem, me agrada.”

O ator e diretor Mel Gibson (D) durante exibição de 'Hacksaw Ridge' em Los Angeles Foto: Frederic J. BROWN/AFP

De fato, o bélico Hacksaw Ridge, que estreia dia 4, está nos prognósticos dos especialistas como um dos filmes com mais opções na próxima edição do Oscar. Isso faz supor o “perdão” oficial de uma indústria com a qual Gibson manteve um grande idílio graças a Coração Valente (premiado com o Oscar de melhor filme e o de melhor diretor, além de outras três estatuetas).

“Sempre é bom ter o reconhecimento dos companheiros, mas se isso não ocorrer, não preciso que ninguém me diga como o filme é bom”, afirmou o cineasta. Gibson elogiou especialmente em Hacksaw Ridge a “fantástica” atuação do protagonista, Andrew Garfield, que considera “um dos melhores atores de todos os tempos”. O diretor também destacou a música de Rupert Gregson-Williams e a fotografia de Simon Duggan. “Tive a sorte de trabalhar com uma equipe fantástica.”

“Diabos, é um filme independente, uma loucura. Rodei com US$ 27 milhões, que, na Austrália, graças à devolução de impostos, converti em US$ 40 milhões. Mesmo assim, por esse preço foi incrível o que conseguimos fazer”, afirmou Gibson. Esse orçamento é 25% menor que o que o diretor teve para rodar Coração Valente, 20 anos atrás. Além disso, a filmagem teve de ser feita na metade do tempo.

“O cinema mudou”, avalia o cineasta. “De vez em quando ainda aparecem boas histórias, mas não estão nas grandes produções, e sim nas pequenas produções. Os filmes grandes limitam-se agora a franquias que não dão atenção à história, à emoção, à busca da verdade.”Por isso, Gibson considera que fez um filme com olhos no passado, nos tempos em que o que importava eram as narrativas sinceras, com protagonistas bem definidos. “Este é um filme sobre um super-herói real, que não usa colante de lycra”, definiu, curto e grosso.

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Mel Gibson sempre foi atraído por heróis improváveis (seja William Wallace, de Coração Valente, seja Benjamin Martin, de O Patriota) e por personagens que, após terem sido marcados pela violência, encontram em seu interior a paz consigo mesmos.

Hacksaw Ridge segue esse caminho. O filme conta a história real do soldado Desmond Doss – condecorado com a Medalha de Honra, a maior honraria militar dos Estados Unidos, apesar de seu repúdio ao uso de armas enquanto combatia na 2ª Guerra Mundial.

Doss foi vilipendiado pelos companheiros ao se declarar objetor de consciência, mas acabou conquistando o respeito e a admiração de todos ao salvar a vida de 75 homens na Batalha de Okinawa (Japão).

“É preciso contar histórias como a de Desmond Doss para inspirar as pessoas, fazê-las lembrar do que o espírito humano é capaz e, talvez, aprenderem algo com isso”, disse o cineasta, que volta a mostrar suas obsessões religiosas ao longo da filmagem. “Doss foi alguém com fé e convicção num ambiente que reduz a maioria dos homens a animais. E ali, nessa escuridão, alguma coisa floresce.”

“Isso é o espírito humano”, assinalou, “capaz de superar o horror da guerra. Para se apreciar realmente o bem é preciso estar familiarizado com o mal, e justapor os dois conceitos. Um não existe sem o outro. Não há fé, inspiração, esperança sem que se tenha passado pelas trevas.”

Hacksaw Ridge mostra o horror do combate com um realismo perto do qual a sequência inicial de O Resgate do Soldado Ryan, brilhantemente orquestrada por Steven Spielberg, vira brincadeira de criança.

Gibson adquiriu essa precisão cirúrgica com a câmera de autores como George Miller, Peter Weir ou Richard Donner.

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“Visualmente, eu absorvia tudo”, confessou o cineasta. Mesmo admitindo que hoje prefere estar atrás da câmera, ele trabalha em The Professor and the Madman, com Sean Penn, que o ajudou a redescobrir sua paixão por atuar.

“O entusiasmo de Sean me contagia, mostra que ainda tenho fogo por dentro”, afirmou Gibson – que será pai pela nona vez nos próximos meses, com sua companheira, Rosalind Ross, de 26 anos.“É uma nova oportunidade para não fazer merda”, finalizou, entre risos. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ 

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