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José Padilha volta ao festival de Berlim com o filme '7 Dias em Entebbe'

Com estreia mundial prevista para 16 de março, novo filme do diretor de Tropa de Elite se baseia numa história real

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Dez anos depois do Urso de Ouro, que conquistou por Tropa de Elite – o primeiro –, José Padilha está de novo na seleção da Berlinale. Seu novo longa, 7 Dias em Entebbe (7 Days in Entebbe), passa na competição, mas fora de concurso, o que não deixa de ser uma contradição – em termos.

Cena do filme '7 Dias em Entebbe' Foto: Focus Features

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“Adoro Berlim. E pelo que parece eles gostam de mim. Esse é o quarto filme que emplaco por lá como diretor. Vamos exibir Entebbe no Palast, junto com os grandes filmes de estúdio, embora o nosso orçamento seja modesto. Vai ser no mínimo divertido”, conta o diretor, numa entrevista por e-mail.

Com estreia mundial prevista para 16 de março, 7 Dias em Entebbe baseia-se numa história real. Terroristas da Frente Popular para a Libertação da Palestina e das Células Revolucionárias da Alemanha sequestraram um jato da Air France em 27 de junho de 1976, que ia de Tel-Aviv a Paris, e o fizeram pousar no aeroporto internacional de Entebbe, em Uganda, onde foram recebidos como heróis pelo governante local, o polêmico Idi Amin Dada.

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Os sequestradores exigiam a libertação de 53 terroristas presos e ameaçavam explodir o avião. Uma semana depois, em 4 de julho, em uma operação complexa, um comando israelense ocupou militarmente o aeroporto e resgatou os mais de 200 reféns. A chamada Operação Entebbe virou paradigma de resgate, mas, nos últimos tempos, novas abordagens estão propondo outras leituras do que ocorreu.

A 68.ª Berlinale começa nesta quinta, 15, e uma de suas atrações é justamente a pré-estreia mundial do novo Padilha. 7 Dias em Entebbe é uma coprodução anglo-americana e tem no elenco atores como Daniel Brühl e Rosamund Pike. A década decorrida desde a premiação de Tropa de Elite com a maior recompensa do festival tem sido prodigiosa para Padilha, que virou um grande diretor internacional.

O remake de RoboCop e a série sobre Pablo Escobar, Narcos, lhe deram extraordinária projeção, mas, de alguma forma, pode-se dizer que o cinema de Padilha talvez seja malvisto e compreendido. O Capitão Nascimento não foi construído como um herói, mas foi visto como tal. O mesmo pode ocorrer com o juiz Sérgio Moro na série que Padilha fez sobre a Lava Jato para a Netflix, O Mecanismo, com estreia anunciada para 23 de março.

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José Padilha Foto: Berinale

Como ele trabalha com essas expectativas? O que o heroísmo representa para Padilha?

“Não diria que meus filmes são malvistos ou malcompreendidos. Ou pelo menos se são, não é por falta de entrevistas do diretor. Mas reconheço que sofro de um mal que gera incompreensão: não tenho ideologia. Não sou marxista e não sou liberal. Por isso não pauto o conteúdo ou a estética de meu trabalho de um jeito ou de outro.

Em Ônibus 174, o personagem principal era um excluído. A esquerda adorou, a direita odiou. No Tropa, era o inimigo do excluído. A esquerda odiou, a direita adorou. Todavia, ambos os filmes tinham um mesmo propósito: apontar para a realidade social subjacente aos dois personagens, a realidade que produz tanto um quanto outro. Não me parece que este seja um conceito difícil de compreender. Pelo menos para quem pensa sem amarras ideológicas predeterminadas.”

Na ficção e no documentário, a questão da segurança é sempre visceral para Padilha. No calor da hora, Entebbe deu origem a dois telefilmes, que chegaram rapidamente aos cinemas, realizados por Irwin Kershner, diretor do cultuado Star Wars: Episódio V – O Império Contra-Ataca, e Marvin Chomsky, com Elizabeth Taylor.

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Nesses mais de 40 anos, o terrorismo segue sendo um tema complexo e urgente. Por isso é importante voltar a Entebbe? “A narrativa oficial foi apropriada pela parcela dos políticos de Israel que se opõe a negociar uma solução para a Palestina por definição. Essa apropriação simplificou os eventos, e militarizou a narrativa. Ela faz parte, inclusive, da mitologia em torno de Benjamin Netanyahu e foi utilizada para viabilizar as suas políticas e a sua carreira. Além disso, novas pesquisas históricas, como as do professor inglês Saul David, sugerem novas interpretações para o ocorrido.”

O mundo está vivendo um movimento à direita e, nesse quadro, o parceiro de Padilha, o ator Wagner Moura – o Capitão Nascimento e Pablo Escobar –, estreia na direção de longa com um filme sobre um ícone de esquerda, Carlos Marighella. De novo as questões do terrorismo e do contraterrorismo.

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Na perspectiva de Padilha, como se conta uma história assim? E como fica a questão do heroísmo? “A questão do heroísmo só é uma questão para quem a pensa com o conceito de herói. Nunca me preocupei com heróis. Nem Nascimento, nem Sandro (Barbosa do Nascimento, sequestrador do ônibus 174, que inspirou o filme) nem Yoni Netanyahu (comandante israelense morto na Operação Entebbe) foram tratados por mim dessa forma, ou a partir desse conceito. Sobre Wagner: ele é um artista sensível, e se achou importante fazer esse filme nesta hora, é porque intuiu que algo sobre os dias de hoje reclama por um filme sobre Marighella. Estou louco para ver.”

Houve gente que, na época, chamou Tropa de Elite de fascista. O que significa para Padilha haver recebido o Urso de Ouro das mãos de Costa-Gavras, que presidia o júri? Costa, afinal, criou fama como autor de esquerda, com filmes políticos que fizeram história. “O fato de Costa-Gavras ter compreendido e defendido o filme fez com que algumas pessoas o revisitassem. E ouso dizer que, na Europa pelo menos, Costa-Gavras levou alguns críticos a perceber que a aplicação de posições ideológicas à crítica, apesar de ser lugar-comum, nem sempre leva a uma compreensão correta da obra criticada.”

Para terminar, o repórter, que acompanha a trajetória de Padilha desde o princípio, que já o viu em sets de filmagens e foros internacionais, surpreende-se sempre com a objetividade, e racionalidade do diretor. Daí o inevitável – é possível construir uma trajetória? Padilha surpreende-se consigo mesmo? “Para falar a verdade, eu não sei muito bem como ou por que cheguei aonde estou. E também não sei para onde vou. Ou seja, sou um ser humano...”