Jerry Lewis, fã confesso de Charlie Chaplin, tinha humor meticuloso

Lewis morreu na manhã deste domingo, 20, em sua casa, em Las Vegas, aos 91 anos, com os familiares por perto

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Por Ubiratan Brasil
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Muitos dos fãs de Eddie Murphy talvez não saibam que O Professor Aloprado, um de seus filmes de maior sucesso, não é fruto de algum roteirista genial, mas o resultado da refilmagem de uma comédia clássica. E genial mesmo era Jerry Lewis, que dirigiu e interpretou o verdadeiro O Professor Aloprado em 1963, apontado pelos críticos como seu melhor filme.

Um dos maiores comediantes da história do cinema, Lewis morreu na manhã deste domingo, 20, em sua casa, em Las Vegas. Estava com 91 anos. A causa da morte não foi oficialmente confirmada, mas, pelo Twitter, a família do comediante disse que ele faleceu “de causas naturais” e com os “familiares por perto”. Participou de mais de 45 filmes em cinco décadas de produção.

Jerry Lewis Foto: Dan Steinberg/AP

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Fã confesso de Charlie Chaplin, Lewis foi apontado como um de seus mais distintos sucessores. Nos anos 1950, o comediante tornou-se famoso no show bizz, especialmente quando formou uma dupla com Dean Martin durante dez anos (de 1946 a 56). Seu talento era tamanho que logo Lewis começaria a escrever e a dirigir os próprios filmes. Era meticuloso na criação das cenas e buscava o humor não apenas pelas caretas, das quais era mestre, mas na forma inusitada como criava cada cena.

É o caso, por exemplo, de A Farra dos Malandros, de 1954, que já oferece uma cena clássica, no estádio dos Yankees. Ali, estava bem definida a função de cada um na dupla – Martin, bonitão e voz aveludada, compunha uma parceria perfeita com Lewis que, com seus trejeitos, era o Idiota (ele próprio chamava assim o personagem). A combinação era explosiva e só terminou quando Martin cansou de ser escada nas piadas para Lewis. 

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Enquanto estiveram juntos, porém, conquistaram uma enorme popularidade. O toque definitivo de suas comédias foi dado pelas mãos do diretor Frank Tashlin, que se juntou à dupla em 1955. Oriundo dos desenhos animados, especialista em Pernalonga e mestre da gag visual, Tashlin era uma presença crítica no set de filmagem e controlava qualquer excesso danoso da dupla. Artistas e Modelos (1955) foi o primeiro que rodaram juntos e já trazia o humor de quadrinhos. Em seguida, veio Ou Vai ou Racha (1956), que marcou o fim da parceria entre Martin e Lewis – o cantor não aceitou mais perder espaço para Lewis e seu tremendo ego. A separação provocou comoção popular, além de alimentar o interesse sobre como sobreviveria a carreira de cada um. 

Jerry Lewis não desejava perder a parceria com Dean Martin, mas, ao iniciar sua carreira solo, sua vitalidade cômica tornou-se mais evidente, a ponto de ser aclamado pela crítica internacional, especialmente a francesa, que o via como gênio, enquanto era tratado apenas como um humorista em seu próprio país.

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Com Delinquente Delicado (1957), direção e roteiro de Don McGuire, Lewis faz sua primeira aparição sem a companhia de Martin. Também responsável pela produção, ele interpreta o tal delinquente, que é protegido por um policial e se transforma em um brilhante recruta. Já O Mensageiro Trapalhão (1960) marca a estreia de Lewis na direção, além de ser o autor do roteiro. Ele vive um mensageiro trapalhão, que trabalha em um hotel onde se mete em diversas confusões. 

Para a crítica dos EUA, Jerry Lewis era só um palhaço. Para os franceses, um gênio. Lewis nasceu Joseph Levitch em Newark, New Jersey, em 1926. Confira a seguir 10 filmes para relembrara trajetória do astro quemorreu aos 91 anos Foto: BRAD BARKET/INVISION/AP

Nesse início solo, também se destaca Mocinho Encrenqueiro (1961), o segundo filme dirigido por Lewis, que também escreveu o roteiro e ainda compôs algumas canções da trilha sonora. Como sempre, ele faz o papel de um atrapalhado (aqui, um contínuo), que espiona seus colegas de trabalho.

O melhor, no entanto, estava por vir. Em 1963, Lewis dirigiu sua obra-prima, O Professor Aloprado. Clássico insuperável da comédia, Lewis inverte o tema de O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, e faz o que não deixa de ser a psicanálise da América, refletindo sobre os papéis sexuais na sociedade de seu país. A trama trata de um professor tímido e desajeitado que, cansado de ser motivo de piada, inventa uma fórmula capaz de transformá-lo em um conquistador seguro e habilidoso. O problema é que, nas horas mais impróprias, a fórmula começa a perder efeito e o professor perde o controle da situação.

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Foi o suficiente para a crítica francesa, capitaneada por nomes da vanguarda como François Truffaut e Jean-Luc Godard, tratá-lo como um gênio. Se, por um lado, o excesso de tapinha nas costas contribuiu para o reconhecimento de seu talento, também o encheu de confiança, o que deixou alguns de seus filmes tendendo ao sentimentalismo. Até que, em 1970, com Qual É o Caminho do Front?, o público o abandonou. 

Os tempos haviam mudado e o humor de Lewis parecia não mais se encaixar no gosto popular. Ele, na verdade, ainda ambicionava ganhar um Oscar (algo que só acabou acontecendo em 2009, quando levou um prêmio humanitário). Para isso, pensou em um papel sério e escreveu The Day the Clown Cried (O Dia em que o Palhaço Chorou), em 1972. O tema era pesado: um palhaço tenta ajudar prisioneiros de um campo de concentração durante um espetáculo circense. O resultado, no entanto, não agradou a Lewis, que nem liberou sua veiculação.

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Suas aparições rarearam e ele só voltou a ser notícia ao estrelar O Rei da Comédia (1983), de Martin Scorsese, no qual está estupendo no papel sério de um mal-humorado comediante que é feito refém em seu apartamento por um humorista fracassado (o não menos brilhante Robert De Niro). Lewis também fez o sucesso na Broadway com o musical Malditos Ianques, em 1995. Sua reputação foi arranhada com o lançamento de biografias que o apontam como um ególatra insuportável, mas Lewis, apesar de aposentado do show bizz, continuou fazendo aparições, especialmente em programas beneficentes como o Teleton.

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Sua saúde, na verdade, o preocupou nos últimos anos, quando sofreu uma cirurgia no coração em 1983 e outra para tratar de um câncer, em 1992. Em 2003, submeteu-se a um processo de recuperação do vício de drogas legais e sofreu um ataque do coração em 2006.

Mesmo assim, continuou em ação, fazendo pontas em filmes como em Até que a Sorte Nos Separe 2, de 2013. Rodado nos EUA, o longa estrelado por Leandro Hassum traz o veterano comediante como um carregador de malas, papel que já havia interpretado em O Mensageiro Trapalhão, de 1960. Um breve momento, mas que comprovou o que os franceses sempre souberam: mesmo debilitado, Jerry Lewis continuava um gênio.

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