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Filme 'Os Fantasmas de Ismael' fala de cineasta assombrado pelo passado

Longa do francês Arnaud Desplechin mostra homem que reencontra seu grande amor desaparecido há 20 anos e tem no elenco Marion Cotillard, Charlotte Gainsbourg e Mathieu Amalric

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Há três anos, logo após o Festival de Cannes em que apresentara Três Lembranças da Minha Juventude, Arnaud Desplechin encontrou-se com o repórter um teatro do Montparnasse. A coincidência fez com que se sentassem lado a lado. O repórter quis saber do interesse de Desplechin pelo teatro. E ele – “Para mim, o interesse de tudo está no texto. Admito que eu mesmo criei um texto singular, uma nova forma. E tento não arredar pé dela. Por isso venho muito ao teatro. Gosto de ouvir as forma como os atores dizem o texto. É sempre uma inspiração na hora de dirigir os meus filmes.” 

Marion Cotillard e Charlotte Gainsbourg em 'Os Fantasmas de Ismael' Foto: Jean-Claude Lother/Imovision

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No ano passado, Desplechin inaugurou o Festival de Cannes com Os Fantasmas de Ismael. O filme, que estreia nesta quinta, é sobre um cineasta que roda novo filme. Ismael é seu nome e o filme é habitado pelo fantasma do grande amor do artista. Há muitos anos, Carlotta o abandonou. Ismael refez a vida com uma nova mulher, ou assim parece. E, de repente, do nada, Sílvia – é seu nome – diz que Carlotta está na sala e quer falar com ele. Como assim? Charlotte Gainsbourg é Sílvia, Marion Cotillard, Carlotta. O filme proporcionou um tapete vermelho e tanto para abrir o 70.º festival. Desplechin, Mathieu Amalric e as duas estrelas. Na coletiva, logo após a apresentação para a imprensa, Charlotte Gainsbourg disse que tentou se apossar do texto de Desplechin, como sempre faz. “Tentei colocar o meu molho, mas ele, de forma muito incisiva, me fez desistir. Disse que as palavras significam muito em seu cinema, e que era importante voltar ao diálogo original.”

+++ Assombrações de Desplechin

Prosseguindo com o que dizia Charlotte, Marion Cotillard, na coletivas, disse que a écriture, o texto de Desplechin, é muito particular. “Tem alguma coisa de teatral, e ao mesmo tempo é muito acessível. Comentava com ele que, no próprio diálogo, já está implícito o estilo de interpretação que espera da gente.” Um filme que parece seguir uma dramaturgia tradicional francesa – os fantasmas do amor. Um homem, uma mulher, outra mulher. Mas algo mudou – na França, no mundo – e Desplechin sabe disso. “Estava escrevendo o filme quando fui a um festival na Grécia. De lá acompanhei a repercussão dos atentados em Paris. O filme começou a me parecer vazio. O mundo está explodindo e eu quero falar de amor, de amor pelo cinema. Senti que a crise teria de aparecer no filme. Não é mais possível filmar Paris sem medo. E por isso criei cenas que até pouco tempo não estariam no filme. Os dispositivos de segurança no aeroporto, tratados de forma meio cômica. A cena em que Mathieu segue Charlotte na rua e os militares armados passam. Estamos tendo de conviver com essas imagens, esses dispositivos que ainda são novos.”

No filme, Ismael é natural da cidade de Roubaix, como o próprio Desplechin, mas ele demora um pouco para aparecer. De cara, o espectador é apresentado a Ivan, Louis Garrel, que está sendo cooptado por um funcionário governamental para uma missão de espionagem. Isso remete ao Desplechin anterior, Três Lembranças da Minha Juventude, onde uma viagem à antiga URSS e um quiproquó envolvendo um passaporte leva a que o protagonista tenha dupla identidade. Desplechin admite que esse talvez seja o tema do novo filme. “Em geral, é preciso tempo, distanciamento para que a gente perceba realmente porque quis fazer um filme. Mas já posso arriscar que esse nasceu de uma coisa que, cada vez mais, me persegue. Gosto de trabalhar com referências e fazer citações a filmes que eu próprio realizei. Na essência, Os Fantasmas de Ismael é um filme sobre como nossa identidade é constantemente formatada por circunstâncias que escapam ao controle, por mais que a gente tente se manter dono da situação.”

+++ Em 'Os Fantasmas de Ismael', Desplechin talvez queira lançar o público numa vertigem

E, claro, tem o tema do amor. O fantasma (Carlotta) que assombra Ismael. Marion Cotillard admitiu que não sabia como abordar a personagem. Tentou fazê-lo por meio da timidez, da solidão de Carlotta, mas não funcionava. “Arnaud me fez ver que deveria materializar um fantasma do imaginário de Ismael. E como se faz isso? Para mim, ela é o contrário do mistério, viva, alegre, embasada na realidade. Um paradoxo – como pode um fantasma ser tão real? Uma das chaves do enigma é que Carlotta se chama Bloom. Todo mundo a remete a James Joyce, até porque Arnaud tem essa fascinação pelo personagem Dedalus. Mas Bloom também é florescer, florir. E Carlotta refloresce. Encontra o marido, o pai...”

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Há 20 anos, pouco mais, Marion Cotillard teve seu primeiro encontro com o cinema de Arnaud Desplechin. Um pequeno papel em Comment Je Me Suis Disputé (Ma Vie Sexuelle). “Aparecia numa cama, o que nem sempre é confortável, principalmente para uma atriz ainda jovem e insegura. Durante muito tempo pensei que era um daqueles meus papéis que ninguém nunca havia notado, mas veja. Arnaud me chamou de novo e depois daquele papel tão concreto disse que queria me dar algo mais etéreo. Foi muito bonito da parte dele.” 

Em Cannes, o filme passou com 20 minutos menos. Em Paris, em apenas uma sala, estreou na versão do diretor. “Não creio que sejam muito diferentes. A versão longa não esclarece tanto a história, mas certos estados d’alma. E o cinema é tempo. É bom poder estender o tempo para revelar a intimidade das pessoas.” A versão lançada nos cinemas brasileiros é a curta.

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