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Filme faz crítica sutil às realidades de Cuba e do Brasil

Por Agencia Estado
Atualização:

Foi no começo dos anos 90, quando o então presidente Fernando Collor de Mello inviabilizou a produção de cinema no País. Sabendo da situação precária em que se encontravam muitos cineastas brasileiros, Gabriel García Márquez convidou alguns para lecionarem na Escola de los Baños. Luiz Carlos Lacerda, o Bigode, foi um dos chamados. Gay assumido, ele tinha medo de ir para Cuba, por causa da repressão que seria denunciada por Reinaldo Arenas e por Julian Schnabel em seu filme sobre o escritor (Antes do Anoitecer). Foi e não se arrepende. Trabalhar com estudantes e professores de todo o mundo alargou sua visão do cinema e da própria vida. Em Cuba, ele achava muito divertida a religiosidade popular. "Todo mundo é meio macumbeiro, como no Brasil", conta. "Sabe aquela coisa? O funcionário do partido é pai-de-santo." Bigode resolveu colocar esses elementos em Viva Sapato! Laura Ramos tem a tia que veio para o Brasil e virou mãe-de-santo. É interpretada por Irene Ravache. É a tia quem põe dinheiro escondido no sapato. Bigode imaginou situações que podem parecer esquisitas. Numa cena, filmada no centro do Rio, carros dos anos 50 e 60 davam o ar "habanero" ao cenário maquiado pelo diretor de arte Alexandre Meyer. "É um filme no qual a direção de arte é decisiva", diz o diretor. "Alexandre é fera; foi quem fez a direção de arte do For All." Aos elogios do diretor, somam-se os de Iara Britz, uma das sócias na empresa Total, que produz Viva Sapato! Ela destaca não apenas o trabalho do diretor de arte, mas também o do produtor de locações Johnny Cabrolli. "O Johnny é bárbaro, escolhe locações que são maquiadas pelo Alexandre e ficam tão perfeitas que até os cubanos iriam se enganar." Na cena com os carros, o ruído das máquinas impedia a gravação do som. Bigode não teve dúvida. Incorporou a crise de combustível que assola Cuba ao relato e fez com que o carro fosse empurrado por populares, dessa maneira resolvendo o problema do som e colocando a realidade de Havana na tela. No sábado à noite, outra cena foi rodada numa ruela atrás do Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio. A cena, supostamente, passa-se num ponto de travestis. Por mais que o comércio sexual seja reprimido em Cuba, esses pontos clandestinos existem. Um dos travestis comprou o sapato. Há uma batida policial, o travesti corre na noite. Há ironia, senão realmente crítica às realidades de Cuba e do Brasil. Talvez por isso, o governo de Cuba não deu seu apoio oficial a Viva Sapato!, mas também não está complicando a produção. Bigode até rodou algumas externas (sem atores) em Havana. O diretor nega que seja um filme de estética gay. Faz questão de acentuar a cacofonia. É uma história de amor hetero. Está satisfeitíssimo com seus atores. Laura Ramos é o sonho de qualquer diretor. "Linda e talentosa, ela não tem nenhum estrelismo; vestiu a camiseta do filme, o que é ótimo para Viva Sapato!", diz o diretor. O título é uma ironia com Viva Zapata!, de Elia Kazan, com Marlon Brando no papel do revolucionário mexicano. Bigode ia chamá-lo Viva Zapato!, mas mudou para "Viva Sapato!" porque achou que a sutileza poderia não ser entendida. Laura retribui o elogio: "Me entendo com o Bigo só de olhar." A bela cubana está radicada na Espanha. Mora em Madri e não pára de filmar, embora, no fundo, não goste muito do cinema espanhol. Tirando Pedro Almodóvar, acha que é superficial. Prefere o cinema francês, por mais verborrágico que seja. "Quando acertam, fazem filmes ótimos." Aproveita para elogiar os filmes do amigo Sergi Lopez: Uma Relação Pornográfica e Harry Chegou para Ajudar. Diz que está pintando outra oferta muito interessante para filmar de novo no Brasil, mas, por superstição, jura que não fala enquanto não estiver tudo acertado. Jorge Sanz também está adorando o papel. É outro que não pára de filmar. "Gostei do papel, do projeto e também da idéia de vir filmar no Brasil; acho que uma das coisas boas da minha profissão é essa possibilidade de conhecer pessoas, países, culturas", resume. Laura e Sanz são os protagonistas, mas a personagem mais querida do diretor é a velha criada da casa da personagem de Laura em Havana. É interpretada por Maria Galeano. "É a Fernanda Montenegro da Espanha; começou a carreira já idosa e hoje, com mais de 70 anos, é uma estrela da TV e do cinema", diz Bigode. Só para ter uma idéia da personagem, ela diz que foi quem ensinou a Fidel o caminho de Sierra Maestra. O elenco brasileiro tem Irene Ravache, Ney Latorraca, José Wilker, Paula Burlamaqui e dois atores que moram no coração de Bigode, Diogo Vilela e Louise Cardoso. "Louise é a minha mascote", ele resume. Foi com ela que o ex-assistente de Nelson Pereira dos Santos fez Leila Diniz, seu filme sobre a musa da banda de Ipanema.

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