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Filme ‘Corpo e Alma’ fala sobre o amor entre desajustados

Longa da Hungria está entre os nove pré-finalistas ao Oscar de filme estrangeiro e em fevereiro ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Em Berlim, em fevereiro, o repórter encontrou-se com Ildikó Enyedi antes e depois de ela ganhar os prêmios do público e da crítica. Ainda faltava o prêmio maior de todos, o Urso de Ouro, do júri oficial. E agora Ildikó integra a ‘shortlist’ do Oscar. Está entre os nove pré-selecionados com Corpo e Alma, que representa a Hungria.

'Corpo e Alma', filme da diretora húngara Ildikó Enyedi Foto: Imovision

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Embora o Oscar seja, como se diz, imprevisível, dificilmente não estará entre os cinco finalistas ao prêmio da Academia para o melhor filme estrangeiro. Um casal, e ambos trabalham num matadouro. Compartilham o mesmo sonho. Um par de cervos numa floresta. Uma existência que parece idílica e, de repente, os animais estão alertas, sendo caçados. O que isso tem a ver com a dupla de humanos? Tudo.

Há 28 anos, Ildikó ganhou a Caméra d’Or, a Palma de Ouro para o melhor filme de diretor(a) estreante, por My Twentieth Century. Em 1994, fez sensação, e foi premiada em Veneza por Magic Hunter. O filme nunca estreou, tendo sido embargado com a massa falida da empresa Alliance, mas David Bowie ficou tão impressionado que a convidou para documentar uma viagem que ia fazer à Índia. Ildikó, grávida de oito meses, declinou, mas planejou o visual de um show que fez na época.

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Não se arrepende de nada, mesmo que os últimos anos tenham sido difíceis para ela. Desde 2000, não conseguia emplacar um projeto. Vivia para a família. Salvou-a a HBO húngara. E o fato de se haver transformado em professora – de cinema – em Budapeste. Adora lecionar, o convívio com gente jovem. E, então, tudo deu certo. Ela conseguiu fazer Corpo e Alma. O filme foi megapremiado em Berlim, está no Oscar.

Apesar do sonho compartilhado, Ildikó descarta que Corpo e Alma seja um filme de inspiração junguiana. “Entendo que as pessoas se sintam mais confortáveis colocando o filme na vertente de Jung, porque a ideia do sonho realmente parece embasada na sua crença num inconsciente comum que nos conecta. Conheço um pouco de psicanálise, mas meu processo, nesse caso, foi muito mais intuitivo. Depois de quatro ou cinco projetos frustrados, eu sentia, intimamente, a necessidade de expressar minha crença. Em quê? No humano. O filme nasceu do encontro dos personagens com um lugar. Um homem, uma mulher. Carregam suas feridas. Seu espaço comum é o matadouro de animais. Creio que o matadouro, mais até que o sonho, foi a chave de tudo.”

Ildikó diz que fez uma pesquisa acurada. “A União Europeia possui regras muito restritas que se aplicam a essa atividade. O velho matadouro sem higiene é coisa do passado. Hoje em dia ele tem de ser higienizado continuamente, e tudo é separado por muros. O gado confinado não vê o que o espera adiante. Mal comparando, encontrei esse mesmo tipo de barreiras quando fui dar à luz meus filhos, ou quando fui me despedir de meu pai morto. Essas coisas marcam, permanecem no imaginário. E aqui, por menos receptiva que eu seja à ideia de ter feito um filme junguiano, entendo o por quê de as pessoas fazerem a ligação. Podemos levar vidas muito diferentes, mas nascimento e morte são experiências muito fortes, viscerais, que terminamos vivenciando de formas muito próximas. Nossos momentos mais pessoais são, também, experiências comuns, no sentido de que são compartilhadas. A alegria, a dor. Integram-se ao imaginário coletivo. A luz, a sombra.”

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E Ildikó faz uma confissão curiosa, sobre como trabalhou com o diretor de fotografia Maté Herbai. “Quando eu conto qual foi o filme que nos inspirou, e guiou, ninguém acredita. In the Mood for Love, de Wong Kar-wai (que no Brasil se chamou ‘Amor à Flor da Pele'). Você vai dizer que não tem nada a ver, e que as cores do outro filme são mais quentes. Mas ambos trabalham com o conceito de uma superfície enganosa. Há fogo sob o gelo, paixão sob a superfície, e foi isso que nos inspirou em Corpo e Alma.”

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Ildikó conta que seus filmes que não se concretizaram dependiam de muitas fontes de recursos, e isso inviabilizava a produção. “Dessa vez, fiz o projeto mais sucinto, mais econômico possível. O dinheiro veio de uma única fonte, o fundo nacional de auxílio à arte da Hungria.”

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A economia prosseguiu em Berlim, para onde Ildikó levou uma equipe numerosa, 27 pessoas. “A maioria era de jovens, meus alunos, que viveram de forma muito intensa todo o processo. O tapete vermelho não representava glamour, mas a validade do nosso esforço e o objetivo alcançado. Ficamos todos juntos, num hotel modesto.”

E o elenco? Alexandra Borbély é uma atriz extraordinária, e acaba de vencer o troféu da categoria no European Award, que consagrou The Square – A Arte da Discórdia, do sueco Ruben Ostlund. Mas Ildikó guarda um carinho especial para Géza Morcsányi, o Endre. “Ele não é profissional, e eu precisava de um rosto especial. De um temperamento. Géza é o meu Clint Eastwood, uma versão mais jovem, mas não menos densa, do personagem de Gran Torino.”

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