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Festival de Berlim: Soderbergh mostra 'Unsane', uma viagem ao inferno do tratamento manicomial

Rodado em i-Phone, longa é coalhado de experimentações visuais nos enquadramentos do começo ao fim

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:

BERLIM - Cinco anos se passaram desde que Steven Soderbergh trouxe o suspense médico Terapia de Risco (2013) à disputa pelo Urso de Ouro em solo alemão, dentro do Festival de Berlim. De lá pra cá, o diretor americano de 55 anos investiu em telefimes e séries de gêneros variados (como The Knick, para a HBO), mas resolveu voltar aos cinemas da cidade explorando um dos filões mais alta no momento: o terror. Rodado em i-Phone, num esquema de baixo orçamento, em cerca de 15 dias, Unsane, seu novo trabalho, coalhado de experimentações visuais nos enquadramentos do começo ao fim, é uma viagem ao inferno do tratamento manicomial.

Sua trama explora o desespero de uma jovem, Swayer (Claire Foy), trancada por engano (ou não) numa instituição psiquiátrica quando buscava apenas um alívio ansiolítico para visões que a assolavam. 

O diretor Steven Soderbergh, no Festival de Berlim 2018 Foto: Stefanie Loos/ AFP

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"Sempre que acompanhamos a história de um personagem, o cinema nos dá a ilusão de experimentar percepções da realidade que não passa pelo nosso físico, pelos nossos sentidos. A ideia deste filme é levar esse efeito que temos na vida real para um personagem de ficção: o que acontece com alguém que tem a sua percepção da realidade alterada à força", diz o oscarizado diretor de Traffic, aceitando analogias entre a saga de Sawyer e o recente debate acerca de assédio em Hollywood. "Este filme foi planejado e executado antes da onda de denúncias, mas ele, de fato, mostra uma mulher que se sente perseguida por uma figura masculina por onde vai." 

A fotografia de Unsane é assinada por Peter Andrews, pseudônimo de Soderbergh em seu trabalho como cameraman em seus próprios filmes. A liberdade de rodar a trama inteira num i-Phone deu ao cineasta uma nova mobilidade para seu processo habitual de direção.

"Eu nunca havia filmado tão próximo do corpo dos atores. Às vezes eu me aproximava do rosto de Claire de um jeito quase invasivo, para captar as emoções do descontrole. Inicialmente, quando veio a ideia de filmar em i-Phone, pensei que este longa-metragem deveria ir diretamente para alguma plataforma digital, sem passar por uma sala de exibição. Mas, quando fui conferir a cor, percebi que ele era um produto para o cinema", diz Soderbergh, que ficou quatro anos afastado do cinema, fazendo TV.

"Eu me recuperei das frustrações que me afastaram da indústria. Essa nova forma de filmar me dá um entusiasmo similar ao que tinha quando garoto. Quem dera houvesse uma engenharia digital assim quando eu tinha 15 anos. O prazer de fazer cinema hoje é enorme, pois, com a tecnologia digital, o gap entre uma desenvolver ideia e a realizá-la encolheu muito."  

Um dos destaques de Unsane é o regresso da atriz Amy Irving, ex-mulher do diretor carioca Burno Barreto e estrela de seu Bossa Nova (2000), à tela grande, num papel à altura de seu carisma e de seu talento. Ela vive a mãe de Swayer, desesperada em ajudar a filha.

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"Amy custa a dizer 'sim' a um convite, em parte por que assume cada trabalho com a mesma ansiedade que tinha quando iniciou na carreira. Foi um prazer quando ela aceitou", disse o diretor ao Estado, definindo seu longa como uma reflexão sobre o controle. "O que acontece a Sawyer aqui é a perda da identidade."

Outras reflexões. Nem só de Soderbergh vive o imaginário de horror da Berlinale 2018: um dos maiores mestres asiáticos do gênero, o japonês Kiyoshi Kurosawa (de Creepy), provocou assombros e reflexões por aqui com Yocho (Foreboding), thriller sobre a chegada do fim do mundo com direito a fantasmas e mudanças de temperamento entre os vivos. Os estranhos eventos que assolam um casal estão ligados a uma invasão alienígena.

"A Humanidade não vai bem, por isso o horror, que é uma metáfora por excelência do desgoverno, vem eclodindo", disse o cineasta . "Busquei referências em clássicos americanos como Vampiros de Almas, de Don Siegel, para este projeto que busca a temática da invasão alienígena como metáfora para as crises globais do presente: precisamos lidar com as diferenças, aproximar pessoas."

Na competição, a quarta foi um dia de dupla desilusão para a Berlinale, alargando a fila de filmes sem sal no evento. Pela manhã veio o moderninho My Brother's Name is Robert and He Is Na Idiot, produção alemã de Philip Gröning, sobre dois gêmeos às voltas com papos intermináveis sobre filosofia (de Platão a Martin Heidegger) enquanto gozam da cara alheia.

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À tarde, a atração foi a (quase) comédia iraniana Pig, de Mani Haghighi, sobre as trapalhadas e inquietudes de um cineasta em crise. Até agora, na bolsa de apostas informais para o Urso de Ouro, Gus Van Sant vê seu cacife subir com o boca a boca caloroso em torno de Don't Worry, He Won't Get Far On Foot, sobre um cartunista paraplégico, vivido por Joaquin Phoenix. Correm na paralela, entre os títulos cotados a prêmios, Las Herederas, do Paraguai; U-July 22, da Noruega; e Figlia Mia, da Itália. A premiação será no dia 24. 

** '7 Dias em Entebbe', de José Padilha, divide opiniões no Festival de Berlim

O Brasil segue colhendo elogios para alguns de seus filmes em exibição aqui. O mais bem falado é Bixa Travesti, de Claudia Priscilla e Kiko Goifman, centrado nas ideias e nas perfomances da cantora trans Linn da Quebrada. A ficção gaúcha Tinta Bruta, de Marcio Reolon e Filipe Matzembacher, que debate homofobia a partir das ações do internauta NeonBoy, teve todos os seus ingressos esgotados por aqui. E quarta foi dia da sessão de O Processo, documentário de Maria Augusta Ramos sobre o desenrolar do Impeachment de Dilma Rousseff. 

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