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'Eu, Tonya', é uma história pouco exemplar e, por isso, muito boa

Filme com Margot Robbie explora abuso doméstico com história de patinadora

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

A história é das mais escabrosas do mundo do esporte. Patinadora sai do nada e se torna uma das melhores do mundo. Mas, pouco confiante na competitividade da esposa, seu ex-marido e um assecla tentam incapacitar sua principal oponente quebrando-lhe o joelho com um bastão. Este é o caso contado em Eu, Tonya, filme de Craig Gillespie. Concorre a três Oscars: melhor atriz (Margot Robbie), coadjuvante (Allison Janney) e montagem (Tatiana Riegel). 

Cena do filme 'Eu, Tonya', com Margot Robbie Foto: California Filmes

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Melhor do que tudo, no âmbito da história claro, é o relacionamento entre Tonya e sua mãe. Em um daqueles casos de busca obsessiva pela fama, LaVona Harding (Allison Janney) exerce uma nada sutil pressão para que a filha, Tonya Harding (Margot Robbie), se imponha como patinadora emergente. 

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Ela precisa vencer muitas barreiras nesse ambiente competitivo. Precisa ser melhor que as outras e, de quebra, superar o preconceito de classe. Tonya vinha de uma família pobre e nunca foi exatamente o modelo ideal de patinadora clássica para os organizadores. Nesse ambiente refinado, ela e em especial a mãe falam palavrões como se estivessem num boteco de quinta categoria. 

Apesar de seus óbvios dotes atléticos, muitas vezes Tonya era preterida por concorrentes vistas como “mais adequadas” pelos juízes. A patinação, como se sabe, é disputada diante de um júri que atribui notas a cada concorrente. Embora pautada em tese por critérios técnicos, a disputa embute certo grau de subjetividade. E, desse jeito, Tonya era deixada para trás, mesmo realizando proezas esportivas como o Triple Axel, movimento em que foi pioneira em uma competição. 

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Esse é um aspecto. Alguém sai da pobreza e chega ao topo, ou perto dele, mas ainda assim sofre com o preconceito. Só por isso essa “história baseada em fatos reais” já merece atenção. Não estamos aqui diante daquelas fábulas morais apaziguadoras sobre pessoas que saem do nada e vencem na vida, em geral retratadas como personagens chapados, sem defeitos ou contradições, exemplos à sociedade. 

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A graça de Eu, Tonya está em retratar uma pessoa cheia de ambiguidades, apesar de, por um momento, ter-se tornado “famosa”, condição absoluta em nossa época. Mas a Tonya da vida real, muito bem interpretada por Margot Robbie, não ocupa essa posição de estrela de maneira inteiriça. Além de seus modos um tanto toscos, fala o que lhe vem à cabeça e, para culminar, embarca num casamento abusivo com um tipo pouquíssimo confiável, Jeff (Sebastian Stan), o que lhe será fatal. 

Ela mesma tem consciência do que é e o que representa: “A América precisa ter a quem amar e a quem odiar”. O caso, com Tonya, é que podia estar nas duas situações quase ao mesmo tempo. E, como sabe qualquer psicanalista de esquina, nada mais próximo do ódio que a admiração extrema. Daí que, no limite, alguns fãs abatem seus ídolos, como fez Mark Chapman com John Lennon. 

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Qual a verdade do caso em que Nancy Kerrigan (Caitlin Carver) foi atacada a mando do então ex-marido de Tonya? Entrevistada, Tonya diz que a verdade é relativa e cada um tem a sua. O fato é que Nancy, ao contrário de Tonya, tinha de sobra todas as características agradáveis aos comitês de patinação – boa família, graça, aparência, elegância, boas maneiras. Além de, claro, ser excepcional patinadora. 

O filme aborda com visão aguda essas nuances que expõem, além da trajetória das personagens, todo um modo de funcionamento social e do meio esportivo. Faz boa observação sobre a obsessão do sucesso e das pequenas diferenças ocultas nos meandros de uma suposta igualdade social. Inteligente e bom de ver. 

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