A história é das mais escabrosas do mundo do esporte. Patinadora sai do nada e se torna uma das melhores do mundo. Mas, pouco confiante na competitividade da esposa, seu ex-marido e um assecla tentam incapacitar sua principal oponente quebrando-lhe o joelho com um bastão. Este é o caso contado em Eu, Tonya, filme de Craig Gillespie. Concorre a três Oscars: melhor atriz (Margot Robbie), coadjuvante (Allison Janney) e montagem (Tatiana Riegel).
Melhor do que tudo, no âmbito da história claro, é o relacionamento entre Tonya e sua mãe. Em um daqueles casos de busca obsessiva pela fama, LaVona Harding (Allison Janney) exerce uma nada sutil pressão para que a filha, Tonya Harding (Margot Robbie), se imponha como patinadora emergente.
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Ela precisa vencer muitas barreiras nesse ambiente competitivo. Precisa ser melhor que as outras e, de quebra, superar o preconceito de classe. Tonya vinha de uma família pobre e nunca foi exatamente o modelo ideal de patinadora clássica para os organizadores. Nesse ambiente refinado, ela e em especial a mãe falam palavrões como se estivessem num boteco de quinta categoria.
Apesar de seus óbvios dotes atléticos, muitas vezes Tonya era preterida por concorrentes vistas como “mais adequadas” pelos juízes. A patinação, como se sabe, é disputada diante de um júri que atribui notas a cada concorrente. Embora pautada em tese por critérios técnicos, a disputa embute certo grau de subjetividade. E, desse jeito, Tonya era deixada para trás, mesmo realizando proezas esportivas como o Triple Axel, movimento em que foi pioneira em uma competição.
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Esse é um aspecto. Alguém sai da pobreza e chega ao topo, ou perto dele, mas ainda assim sofre com o preconceito. Só por isso essa “história baseada em fatos reais” já merece atenção. Não estamos aqui diante daquelas fábulas morais apaziguadoras sobre pessoas que saem do nada e vencem na vida, em geral retratadas como personagens chapados, sem defeitos ou contradições, exemplos à sociedade.
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A graça de Eu, Tonya está em retratar uma pessoa cheia de ambiguidades, apesar de, por um momento, ter-se tornado “famosa”, condição absoluta em nossa época. Mas a Tonya da vida real, muito bem interpretada por Margot Robbie, não ocupa essa posição de estrela de maneira inteiriça. Além de seus modos um tanto toscos, fala o que lhe vem à cabeça e, para culminar, embarca num casamento abusivo com um tipo pouquíssimo confiável, Jeff (Sebastian Stan), o que lhe será fatal.
Ela mesma tem consciência do que é e o que representa: “A América precisa ter a quem amar e a quem odiar”. O caso, com Tonya, é que podia estar nas duas situações quase ao mesmo tempo. E, como sabe qualquer psicanalista de esquina, nada mais próximo do ódio que a admiração extrema. Daí que, no limite, alguns fãs abatem seus ídolos, como fez Mark Chapman com John Lennon.
Qual a verdade do caso em que Nancy Kerrigan (Caitlin Carver) foi atacada a mando do então ex-marido de Tonya? Entrevistada, Tonya diz que a verdade é relativa e cada um tem a sua. O fato é que Nancy, ao contrário de Tonya, tinha de sobra todas as características agradáveis aos comitês de patinação – boa família, graça, aparência, elegância, boas maneiras. Além de, claro, ser excepcional patinadora.
O filme aborda com visão aguda essas nuances que expõem, além da trajetória das personagens, todo um modo de funcionamento social e do meio esportivo. Faz boa observação sobre a obsessão do sucesso e das pequenas diferenças ocultas nos meandros de uma suposta igualdade social. Inteligente e bom de ver.