Estreia o excepcional 'Além das Palavras', com Cynthia Nixon como Emily Dickinson

'Tecnologia está tão desenvolvida que hoje se pode fazer com relativa facilidade coisas com as quais nem sonhávamos no passado', diz diretor Terence Davies

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Se o título já não pertencesse a um belo filme de Suzana Amaral com Sabrina Greve, se poderia dizer que Emily Dickinson viveu sua vida - e produziu sua arte - em segredo. Dois grandes filmes sobre poetas, um após o outro? É raro que isso ocorra, mas, após o belíssimo Paterson, de Jim Jarmusch, com Adam Driver, chega A Quiet Passion, de Terence Davies, que no Brasil se chama Além das Palavras. Ambos, com toda certeza, estarão entre os melhores do ano. Dificilmente surgirá um ator melhor que Driver neste ano, mas ele nem sequer foi indicado para o prêmio da Academia. Cynthia Nixon também não foi indicada para o Oscar, e quem se ressente disso é o prêmio. Ela é excepcional como a poeta norte-americana no deslumbrante filme do cineasta inglês.   Emily Dickinson! Uma das grandes vozes da poesia em língua inglesa, Emily viveu (e morreu) em Ambers, Massachusetts, entre 1830 e 1886. Era egressa de uma família abastada, com meios para lhe fornecer uma educação irrepreensível. O filme já começa por um episódio marcante - a jovem Emily abandona o seminário por se recusar a declarar sua fé. Amante de música e poesia, autor de uma trilogia autobiográfica muito apreciada pela crítica - Children, Madonna and Child e Death and Transfiguration -, Davies oferece nova demonstração de rigor. A entrevista que se segue foi feita por e-mail.

Emily e Vinnie Dickinson. Cynthia Nixon e Jennifer Ehle Foto: Johan Voets/Cineart Filmes

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Cynthia Nixon, de Sex and the City, é genial como a sua Emily. Como a escolheu? E, principalmente, como trabalhou com ela para criar na tela uma personagem tão tímida e reservada?

Encontrei-me com Cynthia há uns cinco anos, por conta de um projeto que terminou não saindo. Mas eu fiquei com ela na cabeça, como uma atriz com quem gostaria de trabalhar. O curioso é que, enquanto escrevia o filme, sua imagem me vinha com frequência, talvez porque eu identificasse certa semelhança física dela com Emily. Vi-a em apenas um episódio de Sex and the City e gostei da maneira como dizia suas falas. Suprimi o som, e ela continuou me parecendo sincera. Segui minha intuição, que me dizia que seria a Emily (Dickinson) perfeita. Não me arrependo.

Seus filmes não são caros, mas são muito acurados, inclusive do ponto de vista visual. Que pesquisas você fez sobre a vida de Emily?

Li as seis biografias de Emily, que me deram uma noção de tempo e espaço. Mas, infelizmente, não consegui ler os muitos volumes de sua correspondência. Emily escreveu muitas cartas, a vida toda. Pouco se sabe de concreto sobre sua vida e assim o filme é muito subjetivo - um relato ficcional do que eu acho que foi a vida dela, a partir das biografias e, principalmente, da sua poesia.

Tem uma cena incrível, em que a família posa para retratos e você cria uma elipse, mostrando a passagem do tempo no rosto de cada um. É uma metáfora do seu cinema, porque você gosta de comprimir o tempo nos filmes. Como fez aquilo?

Foi mais fácil do que você pensa. A tecnologia está tão desenvolvida que hoje se pode fazer com relativa facilidade coisas com as quais nem sonhávamos no passado. E o tempo... Sim, todos os meus filmes são sobre a passagem do tempo, na minha vida e na dos personagens.

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A família era muito importante para ela, mas, apesar de todos os esforços, não se manteve unida. Foi assim que ocorreu, ou se trata de uma licença dramatúrgica?

Emily encontrou grande consolo e refúgio na sua família e, nesse sentido, não gostaria que nada mudasse. Mas ninguém consegue viver numa cápsula. Não importa o que o gente faça para evitar, o tempo continua passando e as ações, os próprios fatos, escapam ao controle e terminam afetando aqueles a quem amamos. Ocorreu com ela, também.

Não sou cineasta, mas imagino que seja difícil filmar a poesia e a música - e você fez os dois. Vozes Distantes, quase 30 anos depois, segue sendo um filme belíssimo. Como você consegue? Faço o que é verdadeiro para mim. Tenho muito amor pela poesia e pela música e acredito que, nessas duas esferas, se pode expressar tudo, e estou pensando nas emoções e nos sentimentos. Então, é natural que eu me utilize dessas ferramentas para me expressar no cinema, que é a minha mídia.

Para terminar, há sempre um particular erotismo em seu cinema. São pessoas tímidas com intensas, não apenas tranquilas paixões. E isso está em todos os filmes. Emily vira voyeuse numa cena de sexo do irmão. Por quê?

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Intensidade e paixão são sentimentos que podem ser internalizados, e isso não tem nada a ver com os aspectos positivos ou destrutivos que essas forças podem exercer sobre os indivíduos. Pessoas que consideramos tímidas podem ter emoções tão fortes como aquelas que vivem gritando seus sentimentos para o mundo. Era o caso de Emily. Sob uma aparência glacial, sua poesia é consumida pelo fogo da paixão e é isso, pelas figuras que cria, que faz dela uma mulher e artista adiante de seu tempo.

Vamos ter de esperar muito pelo próximo Terence Davies?

Trabalho em três projetos. Uma adaptação de Mother of Sorrows, um romance maravilhoso de Richard McCann, que espero filmar ainda este ano; escrevo um roteiro sobre o poeta Siegfried Sassoon; e finalmente adquiri os direitos de A Garota do Correio, que é um livro de Stefan Zweig que me apaixona.

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