Diretor mais conhecido por Mediterrâneo - comédia que levou um Oscar de filme estrangeiro em 1992 -, Gabriele Salvatores centra o foco nas complicações dos relacionamentos modernos em seu novo filme, Estranhos Normais. Se o olhar é cômico, também é justo dizer que não se trata de uma comédia qualquer. Fiel às suas raízes teatrais, Salvatores aliou-se ao dramaturgo e ator Alessandro Genovesi, que veio do mesmo Teatro dell'Elfo fundado por Salvatores nos anos 1970, para adaptar com ele a sua bem-sucedida peça teatral, Happy Family (o título original também do filme na Itália). No filme, quem substitui Genovesi como ator, na pele do roteirista em crise Ezio, é Fabio De Luigi. É ele quem conduz as tramas paralelas que se desenvolvem na tela, ou seja, a sua própria crise profissional, em que se debate para escrever o roteiro de um filme, depois de ver seu casamento terminar; e também o imbróglio de duas famílias que, em sua ficção, misturam seus caminhos por conta da inesperada decisão de seus filhos adolescentes, Filippo (Gianmaria Biancuzzi) e Marta (Alice Croci), de se casarem. Há todas as diferenças sociais e culturais possíveis entre as famílias. De um lado, estão os sofisticados e um tanto frios Vincenzo (Fabrizio Bentivoglio) e Anna (Margherita Buy), pais de Filippo. Do outro, estão os cafonas pais de Marta (Diego Abatantuono e Carla Signoris). O próprio autor da história entra no jogo também como personagem (que é a sua imagem e semelhança em tudo), inventando um acidente em que ele acaba atropelado por Anna - e, por conta disso, acaba convidado a um jantar em sua casa, onde conhece a filha mais velha dela, Caterina (Valeria Bilello). O incidente é pretexto para deslanchar um outro romance, já que o dos dois garotos vai ficar mais complicado. Estreitando os laços com a metalinguagem, o roteirista fala direto com a câmera, em momentos confessionais que procuram ganhar a simpatia do espectador. Em outras cenas, enfrenta igualmente uma rebelião dos personagens das duas famílias com seus destinos. Certamente, é a inspiração de Luigi Pirandello e seu Seis Personagens à Procura de um Autor que se pode ter em mente nestas horas. Um certo perfume de Anton Tchecov e também do cineasta e roteirista Charlie Kaufman (Quero ser John Malkovich) permeiam algumas situações. A boa notícia é que essas homenagens teatrais e cinematográficas somam charme e não comprometem a fluidez da história. Estranhos Normais fica firme na sua intenção de fazer uma comédia de costumes com um toque urbano e contemporâneo, contando com a cumplicidade de um bom elenco - do qual faz parte, numa ponta, a atriz Sandra Milo (de Oito e ½, de Federico Fellini). Mas exige um pouquinho mais de adesão do público a esta sua proposta que, por seu andamento mais imprevisível, foge do padrão simplista da maioria das comédias. (Por Neusa Barbosa, do Cineweb)