PUBLICIDADE

Em novo filme, Bianchi questiona ideologias e ex-militantes de esquerda

'Jogo das Decapitações' traz o jogo de poder e contradições que marcaram as mais recentes gerações políticas no Brasil

Por Flavia Guerra
Atualização:

“No futuro, esquerda e direita jogarão o mesmo jogo, legitimadas por este tempo horrível que agora vivemos”, diz o cineasta Jairo Mendes (Paulo César Pereio) em Jogo das Decapitações, novo filme de Sérgio Bianchi. 

PUBLICIDADE

É o olhar crítico da afirmação acima que permeia o longa. Protagonizada por Fernando Alves Pinto (Leandro), a trama faz retrato do momento atual de profunda falta de ideologias que expliquem e resolvam as questões do mundo, e do Brasil, contemporâneo. Ao mesmo tempo, lança discussão sobre a eterna luta pelo poder. “As pessoas acham meu filme polêmico, barra-pesada, Não acho. Acho só que gosto de botar na tela as contradições que estão nos rondando. Como é a burguesia e o poder agora”, disse o diretor em conversa com o Estado

Para Bianchi, sempre atento às mazelas e hipocrisias brasileiras, já tratadas em filmes como Quanto Vale ou É por Quilo e Cronicamente Inviável, o cinismo tem dado o tom às relações. “Está todo mundo falso. Fala uma coisa, faz outra. Todo mundo briga com todo mundo. E o sistema está muito aparelhado. Tudo é luta pelo poder”, analisa o diretor. 

São estas questões que ele toca ao retratar Leandro, estudante de mestrado que simboliza a apatia e o descomprometimento de sua geração. Aos 30 anos, elabora uma tese de mestrado sobre grupos militantes que lutaram contra o regime militar. É filho superprotegido de Marília (Clarisse Abujamra), ex-guerrilheira que comanda uma ONG que presta assistência a vítimas da ditadura e busca indenização do governo pela tortura que sofreu. 

Tímido e perdido em um mundo em que as ideologias se dissolveram na luta pelo poder, Leandro não se firma em emprego algum e conta sempre com a ajuda da mãe, que liga para seus amigos poderosos pedindo trabalho para o filho. Enquanto faz pesquisas para sua tese, descobre um filme dirigido por Jairo Mendes, seu pai, que nunca conheceu: Jogo das Decapitações. Mendes é um ex-cineasta símbolo do cinema marginal. As imagens são de Maldita Coincidência, primeiro longa de Bianchi, de 1979, e resolve ir atrás do filme e da história de seu polêmico e profético pai. “É a minha geração. Acompanhei a escalada ao poder de pessoas que não eram do povo, mas da classe média, que foi contra quem era, como o personagem do Pereio, mais anárquico. Quis falar de tudo isso.” 

Quanto questionado se está desiludido com o atual cenário sociopolítico do País, o diretor responde: “Todos foram contra a ditadura. Não é questão partidária. Sou contra a cultura do ódio, contra a polarização. Isso me dá raiva. E provoca atitudes cruéis como a violência da polícia, linchamentos... Devemos pensar na disfuncionalidade das coisas”. 

É em Rafael (Silvio Guindane), amigo de Leandro, que as contestações de Bianchi melhor se traduzem. Ácido, o rapaz questiona todas ideologias. “Ele, como eu, vê as contradições como uma fotografia a ser analisada. Estas coisas estão na nossa cara. O filme, na verdade, é sobre o óbvio.” 

Publicidade

ENTREVISTAS

Fernando Alves Pinto, ator:

‘Jogo das Decapitações’ é visto como polêmico. Como o vê? 

Vejo como um filme contestador. É fácil dizer que o Sérgio Bianchi alfineta todos os lados ou joga m... no ventilador. Estas definições são banalizadoras. A verdade é que ele questiona de todos os lados, o que é bom e saudável. Não defende nenhuma tese, mas coloca a relatividade dos fatos em pauta. Isso é necessário. 

PUBLICIDADE

Esta é uma característica muito própria do Bianchi, que se questiona o tempo todo também. Sim. Ele mesmo fala que não tem partido, mas sim ‘unido’. É taoista isso. E surpreendente que alguém com uma visão política tão apurada como a dele possa ter esta visão que não defende a unilateralidade, 

Fale um pouco sobre o Leandro, seu personagem. 

Ele é um retrato de nossa geração, que cresceu em meio ao fim das grandes verdades. Cresceu em meio à intelectualidade de esquerda, mas é um cara superprotegido pela mãe, sofrendo uma quase opressão ideológica. E quando conhece a figura do pai, um cara apartidário (alter ego do Bianchi) que questiona tudo e todos, ele entra em parafuso. / F.G.

Publicidade

Silvio Guindane, ator:

Rafael, seu personagem, passa o filme alfinetando os outros.

Ele é um provocador, não tem um discurso solto, se embasa no que fala e destrói o castelo de cartas para sacudir os outros. Quando a gente fez o filme (em 2012), não havia manifestação nem os black blocs. Meu medo é que as manifestações se acabem pelo ar. Espero que a gente consiga resultados.

Apesar de Leandro ser o protagonista, por que o Rafael é quem toma mais atitudes?

De certa forma, ele (Leandro) representa a parte do povo brasileiro manipulada por uma politicagem. Por ele não ter ação, tem uma nostalgia pelo que não vivenciou. Ficou a vida toda embasado no discurso da mãe. 

Hoje, em que a discussão de ideologias não é tão pulsante como na ditadura, ainda existem figuras como o Rafael?

Em uma turma de mestrado, ainda tem. Rafael é uma explosão de quem não aguenta mais, vê a vida de outra forma, pois não tem a experiência da ditadura nem é de classe média alta. Bianchi questiona o que acreditou por anos e agora vê o caminho que essas pessoas tomaram. É um dedo na ferida. / JOÃO FERNANDO

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.